Tudo se passou numa manhã de julho. Estava eu sentado à mesa, olhando a paisagem da janela, bebendo um copo d’água despreocupadamente, quando vi, de repente, pequenas formigas quase brancas. Miúdas mesmo. Menores que as pretinhas de jardim. Serelepes, com as suas patinhas peludas rondando atrevidamente o copo. Lembrei-me de que já as tinha visto em outros lugares da casa, no chão do quarto, uma vez e, na cozinha, outra.
Aconteceu que, olhando atentamente o copo, vi, na superfície aquosa, uma formiguinha solitária. Meu primeiro impulso foi o de expulsar a intrusa do meu copo. Mas detive-me ao observar um detalhe da cena: a formiga andava sobre a água. Andava com certa apreensão, mas andava, porque se recusava a nadar. Queria andar com desenvoltura.
Primeiramente, ela veio do centro até a lateral de vidro. Arriscou erguer o passo, encostou a pata em terra firme e tentou subir. Não conseguiu. Rodou em volta indo novamente ao centro, retornou e, decidida, dirigiu-se obstinadamente ao alvo. Encostou-se no vidro, levantou a pata, impulsionou o corpo e conseguiu se erguer. Estava fora de perigo. Voltou-se, olhou para baixo e deu as costas, subindo até a borda. Foi embora convencida de que ali só havia água para afogá-la num descuido e vidro para subir e descer repetidamente.
Fiquei parado tentando entender como fazia ela, excelência minúscula, para andar sobre as águas. Como podia superar o peso do corpo, tornando-o suficientemente leve para não se afogar? Era possível que fosse assim: tão simples como nadar em águas, tão fácil como respirar o ar? Apoiado no fato de a formiga crer sem saber e fazer sem querer? Como uma vida simples, natural de formiga? Como pode a formiga, sendo quem é, superar a mim, sendo quem sou?
Não sei quanto tempo durou aquela cena. Talvez tudo tenha se passado em cinco minutos. Cinco minutos é tempo suficiente para uma formiga ensinar a um homem sentado. Cinco minutos, e as minhas indagações estão escritas num almanaque de insetos.
Olhei para o copo e me recusei a beber aquela água de patas alheias. Levantei-me convencido de que outros fariam melhor uso do líquido visitado.
Respostas de 2
A formiga nos fazendo refletir acerca de nós, tão medrosos, sempre dando passos para trás, ao invés de seguir em frente. Mesmo pequena, a formiga não teve medo de afogar-se, superando o próprio peso do corpo. Talvez ela tenha sentido medo, mas mesmo assim, eu queria ser como essa formiga…
Texto super reflexivo. E olhando um micro universo, onde a formiga se comparada a nós, ainda assim, tem mais coragem, às vezes, deixando o medo e seguindo seu próprio instinto. Como diz o texto, cinco minutos foram o suficiente para uma formiga nos ensinar a superar alguns obstáculos, e superar a nós mesmos.
Muito legal… mas a vida é assim, a gente vai aprendendo com as experiências e às vezes a gente nem sabe se vai sair vivo da experiência, já a formiga 🐜 não sabe de nada e se joga!
Lindo texto!