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segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025 – 04h47

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Alagoano Augusto Malta registrou o Rio de Janeiro na reforma urbana no início do Séc. XX

Ao trocar a bicicleta de trabalho por uma câmera fotográfica, Augusto descobre sua vocação
Praça XV de novembro e arredores vistos do Castelo, Ilha das Cobras e ponte Almirante Alexandrino - Foto AugustoMalta/AcervoIMS

No início do século XX, o Centro da cidade do Rio de Janeiro sofreu uma reforma urbana radical, imposta por Francisco Pereira Passos, então prefeito do município (1902-1906), no Rio, da Belle Époque. Ainda capital da República Federativa do Brasil – criada em 1889, por um golpe militar, chefiado pelo marechal Deodoro da Fonseca -, interferiu diretamente no modo de vida da população e no desenho da cidade. 

Com a expressão “Bota-Abaixo”, Passos implementou um conjunto de obras públicas que redefiniram a estrutura urbana da capital federal. Com palavras de ordem – sanear, higienizar, ordenar, demolir, civilizar – demoliu quarteirões inteiros de hospedagens, cortiços, casas de cômodos, velhos casarões e estalagens, além de armazéns e trapiches de áreas junto ao mar, tudo para livrar a capital federal da pecha de cidade insalubre. 

Antigo Largo do Paço, Mercado da Praia do Peixe e o de São Bento, à direita Praça XV de Novembro; Centro – Foto: AugustoMalta/ColeçãoGilbertoFerrez/AcervoIMS

Pereira Passos frequentou vários cursos na Escola de Pontes e Estradas, em Paris, onde pôde acompanhar as reformas empreendidas por Georges Haussmann, então prefeito da capital francesa. De acordo com os padrões da época, desbastando o emaranhado de ruas estreitas e demolindo habitações populares, Haussmann construiu um conjunto monumental de largas e extensas avenidas, transformando Paris em uma cidade ‘civilizada’.

Inspirado no conceito de política higienista, relacionada às precárias condições sanitárias das habitações urbanas, eleito prefeito da Cidade Maravilhosa, então constantemente assolada por epidemias de febre amarela, varíola e malária, que traziam sérios prejuízos para a atividade comercial do país. De maneira autoritária, expulsou milhares de pessoas de suas moradias e negócios e impôs o projeto transformador.

Os registros históricos

Antes de dar início às obras, em 1903, o prefeito consultou alguns assessores, para quem foi indicado o fotógrafo alagoano Augusto Malta, de quem apreciou alguns registros que havia feito da cidade. Malta era um fotógrafo amador, mas, logo, Pereira Passos o nomeou como fotógrafo oficial da Prefeitura do Distrito Federal, pelo Decreto Municipal, nº 445, cargo que Malta exerceu por 33 anos, retratando as transformações urbanas e  arquitetônicas, cenas sociais e o cotidiano da cidade “cartão postal” do Brasil.

O fotógrafo Augusto Malta – Foto: Reprodução/HistóriaDeAlagoas

Augusto César Malta de Campos nasceu no município de Mata Grande, no Alto Sertão alagoano, em 14 de maio de 1864. Seus pais, o escrivão Claudino Dias de Campos e dona Blandina Vieira Malta de Campos, queriam que seguisse a carreira religiosa e o encaminharam a morar com o padre Antonio Marques de Castilho. Deixou o estudo religioso em 1886 e se alistou no Exército, em Recife, onde serviu até ser dispensado do serviço obrigatório.

O país passava por um processo de mudanças, com o crescimento dos movimentos republicanos, dos quais participou ativamente. Ainda na capital de Pernambuco, se integrou a manifestações a favor da abolição da escravatura, quando a princesa Isabel assinou a Lei Áurea, em 13 maio de 1888. Em 15 de novembro do mesmo ano, envolveu-se nos acontecimentos que resultaram na proclamação da República, sendo um dos signatários do termo de juramento lido na Câmara Municipal, no Rio de Janeiro, para onde se mudou, com 24 anos de idade.

Vista geral da Avenida Central (atual Avenida Rio Branco), em direção à Prainha (atual Praça Mauá), na altura do cruzamento com a Rua de São José. A cúpula que se vê à esquerda, no centro da imagem, pertencia ao edifício do jornal O País (20.02.1906) – Foto: AugustoMalta/AcervoIMS

Trabalhou como auxiliar de escrita da Casa Leandro Martins e foi ainda guarda-livros desta mesma empresa. Logo, instalou uma loja de secos e molhados. Não tendo muito sucesso passou a comerciar tecidos finos por amostra, trabalho que exercia em uma bicicleta que lhe permitia maior rapidez para atender sua freguesia. Até um dia que, um de seus fregueses, um aspirante da Marinha, fez-lhe uma oferta para trocar a bicicleta por uma câmara fotográfica. Desde então, seu destino iria ter tamanha transformação.

Como amador, passou a registrar não apenas amigos e familiares, mas a belíssima cidade do Rio de Janeiro. Sua experiência acabou por transformá-lo em pioneiro da fotografia jornalística brasileira. Quando finalmente foi contratado como fotógrafo oficial da Diretoria Geral de Obras e Viação da Prefeitura do Distrito Federal, cargo criado especialmente para ele, com a missão de registrar todas as ruas que teriam seu traçado modificado pelo gigantesco projeto urbanístico praticado no governo do prefeito Pereira Passos.

Moças do Rio de Janeiro, 1908 – Foto: AugustoMalta/Reddit

Augusto Malta cedeu imagens para jornais e revistas da época, sendo um dos responsáveis pelo surgimento da reportagem ilustrada no Brasil. “Seria difícil imaginar algum tema que Malta não tivesse registrado. Em Malta já se percebe o fotógrafo preocupado com o registro espontâneo, dada sua abordagem direta. Habituado à observação da movimentação urbana pela própria natureza de seu trabalho profissional, Malta inaugura o fotojornalismo brasileiro“, relatou o fotógrafo e historiador Boris Kossoy, em entrevista nos idos anos de 1980.

Sua noção de fotografia como documento histórico era ampla, sobretudo pela missão de responsabilidade que assumiu e cumpriu, como fotógrafo oficial. Anotava sempre a data, o lugar e informações necessárias no verso das fotos, chegando até registros técnicos como condições climáticas, abertura do diafragma e tempo de exposição do obturador. Além de assinar os filmes com uma pena e tinta nanquim, sempre de trás para frente, já que eram negativos.

Bonde da linha do Largo de São Francisco – Foto: AugustoMalta/AcervoIMS

Augusto Malta tornou-se amigo pessoal do prefeito Pereira Passos, que deixou a prefeitura em 1906, mas Malta conservou-se no posto por mais 30 anos. Cobriu grandes eventos, como a Exposição Nacional de 1908, o desabamento do prédio do Clube de Engenharia e a revolta da Chibata em 1910, e a inauguração da estátua do Cristo Redentor em 1931, os  aspectos da vida cotidiana da cidade, hábitos e costumes da população. Além de cuidar do acervo fotográfico da prefeitura, até 1936, quando se aposentou. 

Casou-se com Laura Oliveira Campos, uma prima distante, na década de 1890, com quem teve cinco filhos: Luthgardes (1896-?), Arethusa (1898-1913), Callisthene (1900-1919), Aristocléa (1903-1934), afilhada do prefeito Pereira Passos, e Aristógiton (1904-1954). Laura faleceu em 1906, e Augusto Malta passou a viver com Celina Augusta Verschueren (1884-?), que trabalhava como babá dos seus filhos. Com Celina, teve mais quatro filhos: Dirce (1907-?), Eglé (1909-?), Uriel (1910-1994) e Amaltéa (1912-2007).

Sobre sua família, mesmo em casa, com os filhos, Malta sempre foi muito reservado, mal falava sobre o passado. Sabe-se que um tio seu, Euclides Vieira Malta, foi presidente do estado de Alagoas, entre 1900 e 1912. Quando Augusto se aposentou, foi então substituído por seu filho Aristógiton, que trabalhava como seu auxiliar. Mas continuou a praticar a fotografia em seu cotidiano, até poucos anos antes de sua morte, aos 93 anos, no Rio de Janeiro, em 30 de junho de 1957. Foi sepultado no dia seguinte, no Cemitério do Caju.

Acervo fotográfico de Augusto Malta

Botafogo, Rio de Janeiro – Foto: AugustoMalta/AcervoIMS

Foram quase 50 anos que atuou como fotógrafo, seu acervo encontra-se dividido entre o Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro (MIS-RJ) e o Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro. Ao todo, são 80 mil fotografias, muitas deterioradas, incluindo negativos em vidro e panorâmicas. No MIS-RJ, a coleção reúne cerca de 27.700 fotografias do então Distrito Federal. O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, o Instituto Moreira Salles, a Biblioteca Nacional e o Museu Histórico Nacional também guardam obras do fotógrafo.

São documentos que registram a evolução do espaço urbano do Rio de Janeiro, contribuem significativamente para a concepção da cidade, em aspectos históricos, políticos, sociais, culturais, arquitetônicos e artísticos.  Além do acervo da Light, uma série é de fundamental importância em sua obra, um conjunto de vistas, em negativos de vidro, sobre as atividades modernizadoras da empresa na cidade, sobretudo no transporte coletivo, com a implantação dos bondes elétricos, e da iluminação pública.

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