Alexandre Holanda de Melo, formado em Administração e Marketing, é produtor cultural. Seu caminho foi cruzado com o teatro desde meados dos anos 1980, quando fez trabalhos com Lael Correia e Mauro Braga. Morou 10 anos em São Paulo, onde adquiriu muita experiência, até que, através do secretário de cultura Beto Leão, em 2001, foi convidado para ocupar o cargo de gerente artístico-cultural da Diretoria de Teatros do Estado de Alagoas (Diteal).
O Notícias do Centro teve um rápido encontro com esse personagem da cultura alagoana, para trazer ao nosso público nuances da vida e do trabalho desse agente multicultural, que orquestrou nossos teatros por longos 22 anos.
O Alexandre
“Alexandre Holanda de Melo. Nasci em mil novecentos e sessenta e cinco. A minha família é de Viçosa, Zona da Mata de Alagoas, uma cidade de muita riqueza artística e cultural, muita valorização da cultura popular, vários intelectuais. Então é uma cidade que tem muita história pra contar”.
“Meus pais se casaram em Viçosa e vieram morar em Maceió. Nasci e estudei em Maceió, mas, durante toda a minha infância, juventude, e, até hoje, eu frequento muito a cidade da Viçosa, onde eu tenho muitos parentes, tenho uma identidade familiar muito grande. É um município que faz parte do meu cotidiano”.
“Desde a minha infância, já que meu avô, José Maria de Melo, foi o presidente da Academia Alagoana de Letras durante dezenove anos, frequentava o local de trabalho dele. Vinha trazer, vinha levar. Tinha algumas celebrações que eu me fazia presente. E, do lado de lá da praça, eu contemplava aquele templo, o Teatro Deodoro. Nunca imaginei que um dia eu viesse a trabalhar aqui. Aqui eu comecei a trabalhar em 2001 e concluí a minha participação em 2023. Foram vinte e dois anos como diretor artístico e cultural”.
“Me formei em administração e marketing, e sou produtor cultural, com DRT na Carteira de Trabalho”.
Uma missão que durou 22 anos
“Quando você passa vinte e dois anos em um lugar, convive com diversas gerações e, no caso mais específico de estar em um equipamento artístico e cultural, com as características do Teatro Deodoro, que tem como missão fomentar arte e cultura, você tem que ter um olhar muito abrangente. Tem que olhar os veteranos e se esforçar para mantê-los na vitrine, para mantê-los trabalhando enquanto artistas, vai convivendo com os do momento, os que estão surgindo. Então, você tem que ter um olhar muito aguçado para que todo mundo possa ocupar esse espaço público, que é de pertencimento de toda a sociedade, que, obviamente, de alguma forma, é política e social”.
“De lá para cá, o mundo mudou muito. Então, você tem que ter um olhar mais apurado para observar também os movimentos periféricos, os coletivos, os movimentos dos municípios do interior. Na minha opinião, durante muito tempo, o teatro ficou muito voltado para uma elite artística e cultural alagoana. E não é fácil você quebrar esse tabu, porque se torna um tabu. E, muitas vezes, quando as pessoas começam a interagir aqui como artista, como representantes de um coletivo periférico, elas têm uma revolta dentro delas. Porque esse espaço foi negado durante muito tempo. Tê-las aqui é uma conquista. E, muitas vezes, eu tinha que chegar e falar: “Olha o espaço está aberto. Vocês conquistaram essa porta aberta. Agora vocês têm que saber respeitar essa porta, porque daqui pra frente a única coisa que pode inviabilizar que vocês ocupem esse espaço são vocês próprios. Então, sintam esse espaço como um espaço para vocês”.”
“Aí, a gente teve realizações memoráveis, momentos muito importantes que eu creio, não de uma forma egocêntrica, mas de uma forma de comprometimento com o movimento artístico e cultural e com esse olhar diverso, que conseguimos realizar muitas coisas e conseguimos democratizar, não só a plateia do Teatro Deodoro, como também a ocupação do palco. E, quando eu falo Teatro Deodoro, é porque ele é a matriz. Mas, hoje, temos o Teatro de Arena, temos o Complexo Cultural multifuncional. Eu acho que o pessoal está ocupando de uma forma diversa todos esses espaços. Isso. pra mim, é de uma felicidade, de uma realização muito grande”.
Das emoções e transformações
“A emoção é uma coisa muito relativa, mas foram muitas emoções. Quando a gente realizou a primeira mostra do Hip Hop alagoano. Quando a gente trouxe o Tororó do Rojão nas celebrações de aniversário do Teatro Deodoro, para fazer uma participação especial em um show do Antônio Nóbrega. Numa noite, foi seu Nelson da Rebeca. Seu Nelson é elegante, fino, se comportou com a natureza que ele tem, fez a participação dele, tocou duas músicas e saiu do palco. Já o Tororó, na outra noite, em sua participação, se empolgou, cantou as duas músicas e não queria mais sair do palco. A gente teve trabalho para o tirar, porque, a partir de certo momento, ele achava que o Antônio Nóbrega estava fazendo uma participação especial no show dele”.
“Nessa mesma noite, a gente conseguiu trazer o Paulo Autran, que também participou das celebrações. Aí, ainda no palco, fui ao Tororó e disse: ‘Tororó, Paulo Autran, aquele ator da Globo (na verdade, é um grande ator de teatro, de cinema, mas tem essa de a Globo dar esse peso) está aí na sua plateia. Dê um alô pra ele’. Mal acabei de falar, ele virou e falou assim: ‘Oi, moço da Globo, diga ao seu Roberto Marinho que mandei um abraço pra ele’. Ainda usou o Paulo Autran como garoto de recado, entendeu? Depois, durante o jantar, conversando com o Paulo Autran, a gente tocou no assunto, e ele falou: ‘Ele é muito inteligente, porque eu sou funcionário, e ele mandou uma mensagem para o dono da emissora'”.
“Emoções foram muitas. De muitas pessoas que já não estão aqui. Emoção da equipe técnica. Emoção de homenagear várias pessoas com placas, que hoje estão afixadas no Teatro. Das dificuldades que você tem para poder realizar alguma coisa, e você, feito um louco, brigar compulsivamente e ver que tudo é possível, que tudo pode acontecer, desde que se tenha um compromisso, entendeu?”
“A emoção maior pra mim, eu vou dizer qual é, talvez fuja um pouco da sua pergunta, mas cabe totalmente também na minha resposta: é o entendimento que, aqui, apesar de ser uma instituição pública, é uma instituição onde, quem estiver gerenciando, tem de entender que trabalha para a classe artística alagoana e suas mais diversas vertentes”.
“Então, a emoção é hoje estar com a cultura popular aqui dentro, estar com o movimento negro aqui dentro, estar com o movimento LGBTQI+ aqui dentro, estar com Hip Hop, estar com a Filarmônica, enfim, com todos os segmentos aqui dentro. Que é um local de pertencimento. É ter conseguido chegar próximo a algo que traz uma tranquilidade muito grande de missão realizada, que foi ter conseguido que esse espaço tenha se tornado durante vinte e dois anos em um espaço democrático, tanto na ocupação do palco, quanto na ocupação da plateia. O teatro é para todo mundo, é para toda a comunidade, para toda a sociedade alagoana”.
“Todo esse complexo cultural multifuncional. Porque, aqui, também a gente tem muitas ações formativas, tem ensaios. É entender a necessidade do artista, e a necessidade do artista não é só de se apresentar, é de adquirir conhecimento, é de maturar esse conhecimento, é ter ensaios, é ter respeito, ter atenção para que, quando ele esteja no palco, esteja com o produto completo, que o espectador, que saiu de casa, tenha no olhar, quando ele está na plateia, um grande espetáculo”.
“Essa instituição tem como compromisso interagir com o artista, não só pra botar ele no palco, mas para colaborar com ele na construção desse produto, que vai estar no palco, para que nossa comunidade comece a prestigiar a produção artística local. Uma coisa é você ir a um barzinho e assistir um músico tocando, não é maior nem menor. Mas, ali, você tem uma série de informações acontecendo ao mesmo tempo. Você está bebendo, você está conversando, você está com seus amigos. Quando você vem para um palco você tem um espectador que saiu de casa, pegou um transporte urbano ou próprio, parou no estacionamento, entrou, comprou um ingresso e se depara com o produto. Assim, esse produto, não no sentido da sofisticação financeira, mas da criatividade, tem que ser um espetáculo, porque esse espectador tem todo seu foco voltado para o palco”.
Expectativas para o bairro do Centro
“Como eu não sou mais um um funcionário público e não estou preso a nenhuma instituição pública, tenho mais liberdade para a minha fala. Embora, essa fala sempre tenha existido, mas, agora, eu posso externar de uma forma mais inteira. Eu não entendo como a praça Deodoro, que no seu entorno conta com o palco oficial do Estado, conta com o Tribunal de Justiça, conta com a Academia Alagoana de Letras, a dois quarteirões do Sesc, não adotem essa praça”.
“Essa praça era pra ter vida vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana. Uma das minhas motivações para, definitivamente, pedir o meu afastamento da Diteal é porque você tem sonhos, você sabe o que é necessário, você chega num patamar que começa a perceber que dali não passa mais. Aí você começa a repetir. Não que o fato de repetir coisas boas seja negativo. Mas a gente não pode se limitar e se acomodar com o repetir”.
“Então isso aqui é um complexo cultural multifuncional. Poderia ser ampliado, com instituições que têm recursos financeiros. Essa praça tem que ser é um espaço de convívio urbano, tem que ter feira todo dia, de artes a agroecológica, festivais, todos os dias, entendeu? O Centro mudou muito. Hoje não é mais um bairro domiciliar. Se tornou um espaço esquisito, principalmente quando você vem à noite, para um espetáculo. Não é o espaço violento e nem agressivo, não tem índices de violência, mas assusta quem chega e não tem onde estacionar, tem que parar o carro a três, quatro, cinco quarteirões e vir andando. Aí, tem uma certa intimidação dos flanelinhas, que, até nesse sentido, deveriam ser trabalhados para passar mais segurança para o público”.
“Não há nenhuma preocupação com a continuidade do teatro, com respeito à praça Deodoro. A coisa vai indo, vai indo e aí se torna um espaço que as pessoas deixam de vir, não porque não tem atividade, não porque não tem programação, mas que se sentem intimidadas. E isso é uma questão de responsabilidade da gestão pública. É o palco oficial do estado. Temos, por exemplo, o Tribunal de Justiça, que tem recurso, tem dinheiro, tem condições. Por que não tratar aqui como centro cultural de grande efervescência? A praça está aí. A praça é convivência urbana, com atrações cotidianas, com atividades, uma coisa viva. Isso deve ser feito de uma forma gradativa, para atingir todo o Centro de Maceió”.
“O bairro do Centro é uma referência muito grande, ele era vivo, entendeu? As pessoas saíam de casa pra vim a Gut-Gut tomar sorvete. Hoje em dia, no Centro, chega cinco horas da tarde já está fechando. O sábado à tarde é morto. Aí se fala em restauração, se fala em obras milionárias, se fala em estacionamento subterrâneo, se fala em tudo, que são milhões de reais, e não se percebe que, ao se criar uma programação artística e cultural, ocupando o bairro, é suficiente, não vai gastar tanto, não eliminando, é claro, que sejam necessárias obras estruturais, para dar mais conforto e segurança para quem vem”.
“Isso é tão fácil, cara. É só querer. O problema é que você não vê ninguém, ninguém, querendo de verdade. É passando responsabilidades, entendeu? Mas, se quisesse de verdade, a gente não estava falando desse assunto, a gente estava homenageando, parabenizando as instituições que tivessem assumido esse compromisso. Porque a gente precisa que seja assumido esse compromisso. Quem perde é a cidade”.
“Uma questão histórica. O Centro, o Jaraguá, Bebedouro, tudo passava por aqui. O Centro tem vivacidade. Aí, tudo bem, o bairro foi perdendo os moradores, mas não por esse fato que ele não tenha que se reinventar sozinho, ele tem que se reinventar com o estímulo e com o investimento público, entendeu? Dentro das características que ele tem hoje, né? O tempo passa, a cidade cresce, as coisas mudam, mas há uma falta total de responsabilidade, de compromisso e de paralisação, com a restauração, com a revigoração do nosso Centro”.
“Aqui, a gente tem o palco oficial do estado, as pessoas têm medo hoje de vir pra cá, mas não é por culpa de algo diferente, do que não seja o investimento do estado, nas suas mais diversas vertentes, tanto municipal, estadual e federal, de tornar isso aqui um espaço vivo, de pertencimento, que você tenha orgulho e vontade de vir. Nesse momento, você aproveita, compra um ingresso e vem assistir a um lindo espetáculo no Teatro Deodoro. Enquanto isso, se não tiver atenção necessária, o Teatro Deodoro vai estar no processo de decadência, e a culpa não é das gestões [do teatro], é da gestão [do governo] como um todo”.
Uma resposta
Alexandre Holanda é simplesmente uma das maiores personalidades que passaram por Alagoas do ponto de vista do apoio e desenvolvimento da cultura desse estado ímpar.
Fico triste em saber que ele já não está mais diante da grande instituição que é a de teal diga-se de passagem teatro Deodoro e o complexo cultural com toda sua contribuição para o povo alagoano mais próximo da cultura é capaz de progredir com ações e interesse de quem detém o poder da máquina e dos aparelhos que nem sempre podem ser geridos por quem tem de verdade à vontade.
Desejo de coração que agora Alexandre faça o seu trabalho a favor da cultura de modo independente e não tenho dúvida apoio ele vai ter de grande parcela da cultura nacional.
Alagoas perde um grande gestor inserido na máquina pública mas ganha de grande modo um perfeito parceiro para a sociedade civil.
Toda graça e mérito você tem, pois em nenhum momento desmereceu o seu grande destino e mérito você de fato é o próprio vetor e baluarte moderno da propagação e disseminação da Cultura neste lindo estado que tanto carece de apoio no sentido cultural e educacional.