Em 6 de agosto de 1945, às 08h45, um clarão brilhante incendiou o céu de Hiroshima, no Japão, há 79 anos. Yoshito Matsushige tinha 32 anos, era fotojornalista do jornal Chugoku Shimbun. Sua casa ficava a 1,7 milhas do marco zero, fora do raio de 1,5 milhas da destruição total criada pelos efeitos da explosão atômica. Ele não estava muito ferido, foi ao centro da cidade. Viu cenas de destruição total, pessoas mortas, desesperadas, o que o impediu de usar sua câmera. Até que, decidido. por volta das 11h, fez suas duas primeiras fotos.
“Tendo sido expostas diretamente aos raios de calor, elas estavam cobertas de bolhas, do tamanho de bolas, nas costas, no rosto, nos ombros e nos braços. As bolhas estavam começando a estourar e sua pele pendia como tapetes. Algumas das crianças até tinham queimaduras nas solas dos pés. Elas perderam os sapatos e correram descalças pelo fogo ardente. Quando vi isso, pensei em tirar uma foto e peguei minha câmera. Mas não consegui apertar o obturador porque a visão era muito desumano”, lamentou.
“Embora eu também tenha sido vítima da mesma bomba, tive apenas ferimentos leves de fragmentos de vidro, enquanto essas pessoas estavam morrendo. Foi uma visão tão cruel que não consegui apertar o obturador. Talvez eu tenha hesitado ali por cerca de 20 minutos, mas finalmente criei coragem para tirar uma foto. Então, me movi 4 ou 5 metros para frente para tirar a primeira foto”, explicou,
“Ainda hoje, lembro claramente como o visor estava nublado com minhas lágrimas. Senti que todos estavam olhando para mim e pensando com raiva: ‘Ele está tirando nossa foto e não nos trará nenhuma ajuda’. Ainda assim, tive que apertar o obturador, então endureci meu coração e finalmente tirei a segunda foto. Essas pessoas devem ter pensado que eu era insensível”, recordou.
Yoshito Matsushige nasceu em 2 de janeiro de 1913 em Kure, Hiroshima. Faleceu em 16 de janeiro de 2005. Foi o fotojornalista japonês que sobreviveu ao lançamento da bomba atômica na cidade de Hiroshima e conseguiu tirar sete fotos no dia do bombardeio, das quais cinco foram aproveitadas. São as únicas fotos tiradas naquele dia que são conhecidas.
Yoshito não conseguiu revelar o filme durante vinte dias, até a noite do dia 26 de agosto 1945, ao ar livre, usando um fluxo radioativo para enxaguar as fotos, às margens de um riacho. Os negativos deterioraram-se gravemente na década de 1970, exigindo um trabalho intenso na restauração. Esses seriam o únicos registros fotográficos do dia da destruição em Hiroshima.
Depois que tirou as duas primeiras fotos, tentou fazer novos registros naquele mesmo dia, mas estava com muita náusea e sua consciência o impedia. As duas primeiras fotos são de pessoas que escaparam, com ferimentos graves, perto da ponte Miyuki. A segunda delas, tirada mais de perto, percebe-se as pessoas aplicando óleo de cozinha nas queimaduras. A terceira, um policial com a cabeça enfaixada, emitindo certificados para civis. E as outras duas foram nas proximidades de onde morava: uma, dos danos à barbearia de sua família e a outra, da janela estraçalhada da barbearia.
Algumas semanas depois, os militares americanos confiscaram todas as fotografias de jornais e filmagens de cinejornais, mas não atentaram em confiscar os negativos de Matsushige. Até terminar a ocupação dos Estados Unidos no Japão, em abril de 1952, não havia imagens da catástrofe.
Em 6 de agosto de 1952, exatos sete anos da explosão atômica, a revista Asahi Gurafu publicou pela primeira vez as fotografias de Matsushige, em uma edição especial, intitulada “First Exposé of A-Bomb Damage” (Primeira Exposição dos Danos da Bomba Atômica. [em tradução livre]). A primeira edição se esgotou tão rapidamente, que foram feitas mais outras quatro, com circulação total de aproximadamente 700 mil exemplares.
No mês seguinte, a Life Magazine publicou duas das cinco fotografias de Matsushige na edição de 29 de setembro de 1952. em um artigo intitulado “When Atom Bomb Struck – Uncensored” (“Quando a bomba atômica caiu – Sem Censura”, [em tradução Livre]).
Leiam abaixo seu “Testemunho”
“Eu tinha terminado o café da manhã e estava me preparando para ir ao jornal quando aconteceu. Houve um clarão nos fios internos como se um raio tivesse caído. Não ouvi nenhum som, como devo dizer, o mundo ao meu redor ficou branco brilhante. E fiquei momentaneamente cego como se uma luz de magnésio tivesse acendido na frente dos meus olhos. Imediatamente depois disso, veio a explosão. Eu estava nu da cintura para cima, e a explosão foi tão intensa que parecia que centenas de agulhas estavam me espetando ao mesmo tempo.
“A explosão abriu grandes buracos nas paredes do primeiro e segundo andar. Eu mal conseguia ver o quarto por causa de toda a sujeira. Peguei minha câmera e as roupas fornecidas pelo quartel-general militar, de baixo do monte de escombros e me vesti. Pensei em ir ao jornal ou ao quartel-general. Isso foi cerca de 40 minutos depois da explosão. Perto da Ponte Miyuki, havia uma guarita policial. A maioria das vítimas que se reuniram lá eram meninas do ensino fundamental da Hiroshima Girls Business School e da Hiroshima Junior High School N° 1.
“Elas foram mobilizadas para evacuar os prédios e estavam do lado de fora quando a bomba caiu. Tendo sido expostas diretamente aos raios de calor, elas estavam cobertas de bolhas, do tamanho de bolas, nas costas, no rosto, nos ombros e nos braços. As bolhas estavam começando a estourar e sua pele pendia como tapetes. Algumas das crianças até tinham queimaduras nas solas dos pés. Elas perderam os sapatos e correram descalças pelo fogo ardente. Quando vi isso, pensei em tirar uma foto e peguei minha câmera. Mas não consegui apertar o obturador porque a visão era muito desumano.
“Embora eu também tenha sido vítima da mesma bomba, tive apenas ferimentos leves de fragmentos de vidro, enquanto essas pessoas estavam morrendo. Foi uma visão tão cruel que não consegui apertar o obturador. Talvez eu tenha hesitado ali por cerca de 20 minutos, mas finalmente criei coragem para tirar uma foto. Então, me movi 4 ou 5 metros para frente para tirar a primeira foto. Ainda hoje, lembro claramente como o visor estava nublado com minhas lágrimas. Senti que todos estavam olhando para mim e pensando com raiva: “Ele está tirando nossa foto e não nos trará nenhuma ajuda”. Ainda assim, tive que apertar o obturador, então endureci meu coração e finalmente tirei a segunda foto. Essas pessoas devem ter pensado que eu era insensível.
“Então, vi um bonde queimado que tinha acabado de virar a esquina em Kamiya-cho. Ainda havia passageiros no carro. Coloquei meu pé nos degraus do carro e olhei para dentro. Havia talvez 15 ou 16 pessoas na frente do carro. Elas estavam mortas uma em cima da outra. Kamiya-cho estava muito perto do hipocentro, a cerca de 200 metros de distância. Os passageiros os despiram de todas as roupas. Dizem que quando você está apavorado,você treme e seu cabelo fica em pé. E eu senti apenas esse tremor quando vi essa cena.
“Desci para tirar uma foto e coloquei minha mão na minha câmera. Mas eu senti tanta pena dessas pessoas mortas e nuas cuja foto seria deixada para a posteridade que não consegui tirar a foto. Além disso, naquela época não tínhamos permissão para publicar as fotos dos cadáveres nos jornais. Depois disso, andei por aí, andei pela parte da cidade que tinha sido mais atingida. Andei por quase três horas. Mas não consegui tirar nem uma foto daquela área central. Havia outros cinegrafistas no grupo de transporte do exército e também no jornal. Mas o fato de que nenhum deles conseguiu tirar fotos parece indicar o quão brutal o bombardeio realmente foi. Não me orgulho disso, mas é um pequeno consolo que eu tenha conseguido tirar pelo menos cinco fotos.
“Durante a guerra, ataques aéreos aconteciam praticamente todas as noites. E depois que a guerra começou, houve muita escassez de alimentos. Aqueles de nós que vivenciamos todas essas dificuldades, esperamos que tal sofrimento nunca mais seja vivenciado por nossos filhos e netos. Não apenas nossos filhos e netos, mas todas as gerações futuras não deveriam ter que passar por essa tragédia. É por isso que quero que os jovens ouçam nossos testemunhos e escolham o caminho certo, o caminho que leva à paz”.
Assista ao vídeo Hiroshima – as imagens desconhecidas