Desde 2009, Jorge Calheiros participa de Bienais, representando a Ordem dos Cordelistas Nordestinos de Alagoas. E, neste ano, na 10ª Bienal Internacional do Livro de Alagoas 2023, não foi diferente. No domingo (13), apresentou Cantos e Contos de Cordel, com Arnaud Borges e Gama Júnior.
No evento literomusical, recitou alguns contos, acompanhado pelos músicos presentes, empolgando a plateia atenta e feliz, agraciada por sua poesia cheia de fatos pitorescos de suas vivências e com tempero do bom humor sempre presente. É na interpretação de suas histórias que o cordelista pilarense une seus dons mais sublimes: dos versos escritos, dos cordéis produzidos, os recitar.
Ainda menino, longe de sua terra, em Tocantins, um rapaz lhe indagou: “Jorge, como você não estudou e é um poeta?”, ao que Jorge respondeu: “Um homem para ser poeta não é preciso estudar, a rima Deus é quem dá, completando a sua sina, é como ouro na mina, que enriquece um cristão, dentro do seu coração, sem papel e sem caneta, ele, riscando no chão, a poesia está feita”.
Quando criança, implorava ao pai para ir à escola, mas dele ouvia que, se na escola entrasse, teria outro motivo para chorar, pois não tinham dinheiro para a escola pagar e a ela não mais voltar. “Meu pai juntou a família e tentamos ver qual dos filhos teria mais sucesso se fosse para a escola. Escolhemos a Zilda. Sete irmãos trabalhavam para que essa minha irmã estudasse e nos ensinasse depois.”
“Eu ficava muito triste quando ela saía para a escola. Não por ela, mas porque eu não podia ir. Mas, quando ela voltava da aula, eu não sossegava enquanto ela não me contasse o que havia sido dito na aula.” Depois de ter escrito seu nome, pela primeira vez, com carvão em uma pedra, apaixonou-se pelas palavras e se tornou referência na arte de contar e escrever histórias.
O legado
O conjunto do trabalho e do papel que desempenha na preservação da cultura oral nordestina, por meio dos cordéis, fez com que, em 2011, fosse agraciado, pelo Registro de Patrimônio Vivo de Alagoas (RPV/AL), como mais um Mestre do Patrimônio Vivo do estado. O cordelista é também um imortal da Academia Alagoana de Literatura de Cordel.
Produtor dos próprios cordéis, hoje já são 287 obras distintas, durante os mais de 60 anos de labuta. Imprime, recorta, cola e até desenha as figuras que acompanham os versos. Sabe, de cor, grande parte do conteúdo das obras que criou, até pede que uma pessoa os leia enquanto recita e diz: “se eu errar uma palavra, pode me parar e dizer que estou errado”. Mas ele não erra uma palavra sequer.
É um homem de muita vivência e memória. “Eu sou do Pilar. Eu adoro Pilar. Pilar é um berço de poetas. Eu também sou um poeta do Pilar. Enquanto eu era pequeno, escutava os mais velhos contar história. E eu gostava. Depois, passou a literatura de cordel que se chamava de folheto, era livro de história, era ‘dependurado’ no cordão, lá no meio da feira, feira de barro.”
“Quem sabia ler lá no interior ia ler como uma novela, era por parte, o cara que queria ouvir o resto tinha que aviar um fogo do terreiro, como a fogueira de São João, para clarear, porque não tinha energia, mas a gente ia ouvindo aquelas histórias, e, quem nasceu com aquele dom de fazer a poesia, pode ser que tenha estudo ou não tenha, mas ele sempre é um poeta.”
O Centro de Maceió
Das memórias, lembra de sua chegada a Maceió, fala do bairro de Centro: “eu conheço Maceió, eu andei nos bondes no meio da rua do Comércio, eu alcancei, aqui, onde é a Lojas Americanas, aqui na beira da praia, eu conheci uma vacaria”.
“Eu trabalhei no primeiro prédio que tem aqui em Maceió, foi no edifício Breda, era no tempo que não tinha lajota, não tinha telha brasilit, nem tijolo de seis furos. Não tinha caçamba, não tinha nada disso, era tudo feito na marra, na mão. Foi o Rollemberg Breda, quem foi o dono e engenheiro do prédio.”
“Eu sou dessa época. O progresso, a tecnologia foi grande, avançou demais, algumas coisas saíram, agora, eu achava mais bonito a minha cidade quando tinha história, mas cobriram a história das casas e prédios, e modificaram muita coisa.”
“Eu olhava aquelas casas bonitas, ainda hoje tem algumas que você olha pela metade, embaixo modificaram tudo, às vezes aparece um pedacinho em cima. Era muito lindo, nós não temos aquela história, os historiadores querem fazer, mas não mostram como era porque está tudo coberto. Tudo coberto.”
A trajetória
Pai de oito filhos, viúvo, nasceu na cidade de Pilar (a 34 km de Maceió), em Alagoas, no dia 08 de agosto de 1939. “Eu sou filho de Maceió e sou filho do Pilar, muitos anos em Maceió, mas, francamente, se você me pediu um verso, eu digo do meu Pilar que, desde que eu nasci, que eu adoro aquela terra:
“Sou filho de Alagoas, tenho orgulho em lhe falar, da mais bonita cidade, com o nome de Pilar, orgulho do meu Brasil, da terra dos marechais. Pilar! Pilar terra amada, Pilar do meu coração, Pilar das minhas alegrias, Pilar da minha emoção, Pilar do grande Arthur Ramos, Pilar, por ti só paixão. Não tenho ouro, nem prata, nem terra, nem cabedal, nem fazenda, nem cavalo, nem um gato para criar. Mas tenho tudo que amo, e esse tudo é Pilar. Escrevendo essas estrofes, um dia hão de lembrar, que eu também fui um poeta, da cidade do Pilar. Com meu jeito de escrever, também do meu linguajar.”
Muito orgulhoso, conta que sempre participa dessas feiras deixando um pouco do que é dele, recitando poesia no palco, num show que tem um pouco de tudo. Poesia, livros engraçados, romance, explica como e quando o cordel deve ser feito, sobre a métrica, sua história, histórias de sua vida.
Já se apresentou em vários estados brasileiro, como São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco, Minas Gerais. Não obedece a um único gênero literário, contempla quase todos: conto, crônica, poesia, romance.
Transformou-se em um missionário, muito feliz com o movimento de cordel que está nascendo em Alagoas. “Surgiu um cordel positivo e sadio aqui de Alagoas. Para mim, é muito importante. Esse é o meu show”.
Fontes:
https://www.revistaalagoana.com/post/jorge-calheiros-o-poeta-do-clima-bom