Seu Durval Cabus conhece o bairro Centro de Maceió como a palma da sua mão. Aos 10 anos de idade, já ajudava o pai na loja e, aos 19 anos, abriu o próprio negócio, a Casa Durval, que se mantém em funcionamento até hoje. Aos 82 anos, permanece ativo na labuta diária. “Que eu conheça, que eu lembre, aqui não tem ninguém mais antigo do que eu, em atividade”.
A vida dedicada ao comércio, com quase um século de investimento e trabalho, faz dele um símbolo de firmeza e amor ao bairro. Em uma rápida conversa informal, avalia com clareza sobre a dinâmica do bairro, as mudanças pelas quais o comércio passou, numa visão sempre realista. “A Casa Durval continua. No comando da minha filha, e eu fico feliz porque ela dará continuidade”.
“Meu pai chegou em 1928 em Maceió. Árabe, cristão ortodoxo. Sou da primeira geração brasileira. Nasci na rua do Comércio, onde ele tinha a Casa Recife. Trabalhava com linha, bico, galão, bordado, fitas, brinquedos, com inox. Meu pai teve cinco filhos, eu e o Samuel somos gêmeos, ele já faleceu. Vieram 12 irmãos do meu pai pra cá, todos moraram aqui, meus avós. E a vida foi continuando, cada um foi seguindo para um lado, um foi ser médico, outro foi ser engenheiro, outro foi ser advogado, e eu continuei o que o meu pai era, no comércio. Desde os 10 anos de idade que eu trabalho, vou pra 82 anos de vida. Comecei na rua do Comércio 419, quando era a loja de meu pai”.
“Aí, eu completei 18 anos e fui para o exército. Quando saí, com 19 anos, já abri meu próprio comércio aqui na Moreira Lima. Já Casa Durval, que é meu nome, Durval Cabus. Eu tive loja na Moreira Lima 188 e 152, tive na Rua Cincinato Pinto – dos dois lados da rua -, tive na Boa Vista, tive na rua da Alegria. Tive aqui no beco São José mais outra loja. Tudo Casa Durval. Sempre com porcelana, o produto que eu sempre gostei de trabalhar. Já trabalhei com brinquedos, também inox, mas hoje eu só estou trabalhando com isso. Estou na terceira geração. Primeiro foi meu avô, meu pai. Agora vai ser a quarta geração aqui no Brasil, com minha filha que está assumindo”.
“O Centro hoje não existe mais. Daqui cinco anos, dez anos, não vai existir mais nada. Aqui vai passar uma máquina, vai ser igual ao Bebedouro, Farol, que se acabou tudinho. Aqui vai ser a mesma coisa. Porque, hoje, os bairros têm vida própria. Você vai para o Jacintinho, o comércio é melhor do que o centro daqui. Você vai para o Bio [Benedito Bentes], é melhor do que o daqui. Você vai para o Tabuleiro [dos Martins], a feira do Tabuleiro é melhor do que aqui. Para o José Tenório, é a mesma coisa. Então, hoje, se o cara quer comprar uma linha, ou um bico, ou um prato, ele não vai gastar tempo e dinheiro para vir aqui. Você vê, hoje o comércio não existe. Pior do que aqui está em Recife. O comércio em Recife [antigo] já não existe mais. São prédios e mais prédios fechados. Não existe mais. Rua do Imperatriz não existe mais. Na rua da Palma ainda tem uns prédios lá, mas não existe mais. Tinha Mesbla, tinha Viana Leal, que não existem mais. Isso lá. E aqui está indo pelo mesmo caminho”.
“Acho que a internet tem forte influência nisso. Hoje em dia, como estou vendo, (eu não tenho internet, porque o que eu uso é um lanterninha. Ganhei um Iphone 14 e dei para a minha neta, que hoje é Procuradora Federal em Brasília), hoje tudo é na internet. E os shoppings. Você vai pro shopping hoje e tem estacionamento, tem comida, tem o que você quer comprar. Segurança, que é o mais importante, conforto. Eu tenho fechado a loja às 4h [da tarde] todos dias. Hoje, só estou aqui a essa hora, porque uma cliente me ligou, dona de um restaurante na Ponta Verde. Tenho ainda um grande estoque, mas faz tempo que não renovo. Minha filha, daqui a mais ou menos um mês, vai abrir a nova Casa Durval, aqui no beco São José, 205. Vou transferir tudo pra lá e ela vai começar a comprar mercadorias e renovar o estoque”.
“Aqui, antes, quando a gente dizia que uma loja ia fechar na Moreira e Lima, tinha dez pessoas querendo alugar. Em Recife, na rua das Calçadas, rua de Santa Rita, está tudo daquele jeito. Um prédio lá que valia 10 milhões, ninguém quer nem por 100 mil. Nem por 100 mil reais. E, aqui, tá ficando do mesmo jeito. Hoje. aqui, na Moreira e Lima, quando se fala em fechar uma loja, quem vai vir para alugar? Então, hoje tá daquele jeito. E o comércio aqui vai acabar. Daqui mais cinco, dez anos, não tem mais como existir”.
“No Centro, antigamente, passava bonde, passava ônibus. O calçadão melhorou umas coisas e piorou outras. A mentalidade hoje do cara, da mulher, é querer parar o carro na porta, se for possível entrar de carro dentro da loja pra comprar. Então, o fato mesmo de hoje, na minha opinião, em primeiro lugar, a internet e os shoppings. E os bairros que têm vida própria. Você quer alguma coisa no Jacintinho, tem mais coisa que aqui no centro. Você vai na feirinha do Tabuleiro, dias de sábado ou domingo, vende-se mais do que qualquer outro canto. No mercado mesmo, aqui do lado, o comércio está caído, está largado. Está tudo daquele jeito. Você vai comprar lá no inverno, a água tá em cima da tarimba de peixe, de carne, de lá. Aquilo ali, tudo, era mangue”.
“Não lembro em qual governo foi, foi daquele jeito. Querem reformar há 40 anos, mas está do mesmo jeito. Se eu disser a você que tem 10, 15 anos que eu não vou no mercado, você não acredita nisso, né? Fazer o que lá? Você quer comprar peixe, vai ali em Jaraguá, que tem tudo o que você quer, tudo limpinho, acesso para para carro, tudo. E, no mercado, é arriscado até ser roubado, ter o carro arrombado e tudo mais”.
“O Centro foi o grande burburinho de Maceió até meados dos anos 90, a decadência foi de 2000 para cá, de 1995 para cá. E daqui para adiante, é de pior a pior”.
“Tenho hoje, de Comércio, no mínimo 65 anos. Com loja própria. Desde a loja no 188 da Moreira e Lima – sem contar com a idade que eu já trabalhava com meu pai, tenho 65 anos de comércio, talvez hoje a pessoa mais antiga, ativa, no comércio de Maceió. Que eu conheça, que eu lembre, aqui não tem ninguém mais antigo do que eu, em atividade”.
“Eu venho todos dias trabalhar. Agora, tenho chegado às dez, nove, às vezes chego às onze horas. E vou embora às duas e meia, três horas. A Casa Durval continua. No comando da minha filha, e eu fico feliz porque ela dará continuidade”.