O presidente da Associação dos Empreendedores e Vítimas da Mineração em Maceió, Alexandre Sampaio, depôs como testemunha na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Braskem, na manhã desta terça-feira (9), no Senado Federal. A empresa de mineração Braskem é acusada de ser a responsável pelo afundamento do solo de cinco bairros de Maceió e a consequente evacuação de 60 mil famílias, ocasionados pela mineração realizada, durante cinco décadas, na capital de Alagoas.
Sampaio, que é jornalista e empresário do ramo imobiliário, possuía três empreendimentos no Pinheiro, um dos bairros afetados. Em 2019, devido os tremores de terra e a retirada da população do local, o empresário perdeu seus negócios. Assim como ele, mais de seis mil empresas da região e 12 mil sócios foram afetados. Ele assumiu a presidência da associação para fazer frente ao drama vivido pelos empresários e famílias da região. Além desses, 15 mil trabalhadores e uma quantidade enorme de pessoas não reconhecidas como vítimas foram penalizados pela ação da Braskem. Ele conta o drama vivido pelas famílias em Maceió, a dificuldade de acesso ao inquérito da PF e o papel que a associação teve de assumir por falta de iniciativa das autoridades competentes.
“Nem a Braskem, nem as autoridades de Alagoas, de Maceió, nem as autoridades federais, estavam cumprindo o seu papel constitucional. Eu trago no sangue das minhas veias e na minha voz a indignação de mais de 20 famílias, cujo um dos membros tirou a própria vida, por não saber mais o que fazer. Tem também mais de 12 mil sócios de empresas, além das mais de seis mil empresas, que perderam seus negócios, seu sustento, sua vida e sua dignidade, sem que tivessem recebido um centavo de dano moral e sem que os ministérios públicos, federal e estadual, tivessem nos ajudado a definir critérios corretos de indenização. Ficamos numa negociação absolutamente desigual com a Braskem”, disse.
Alexandre Sampaio faz uma cronologia para exemplificar a inação dos poderes em relação ao inquérito, aberto na Polícia Federal, em 2019, para apurar a ocorrência de crimes por parte da Braskem. Até 2023, o inquérito se encontrava parado na PF. A 13ª Vara Federal de Alagaos negou o acesso ao processo, dizendo que a associação não representa as vítimas e, portanto, não poderia fazer esse tipo de requerimento. Após as petições, foi decretado segredo de justiça.
“Em 12 de junho, o nosso escritório jurídico fez o primeiro pedido de acesso, pedido negado. Em 14 de junho, pedimos à Delegacia de Crime Ambiental da Polícia Federal. Esse pedido foi negado. Em 20 de junho, pedidos à Corregedoria da Polícia Federal o acesso ao inquérito, também negado. Seis dias depois, a gente peticiona a Justiça Federal. Veja, o inquérito sobre o crime que atingiu a nós, vítimas, a nossa associação não teve acesso. Coincidentemente, depois que nós iniciamos essas petições na Polícia Federal, a polícia decreta segredo de justiça. Um crime ambiental, público, notório, falado por todos, as vítimas não têm acesso.”
Em agosto de 2023, a associação perpetrou uma notícia-crime no MPF, denunciando poluição qualificada e fraude no processo de licença ambiental por parte da Braskem. A ação também alegava que o Instituto de Meio Ambiente (IMA) havia fornecido licença ambiental em desacordo com a legislação vigente, que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) havia financiado em mais de R$ 7 bilhões numa atividade criminosa e que a Agência Nacional de Mineração não teria cumprido a sua competência. O MPF não respondeu. A entidade entrou com uma notícia-crime subsidiária na Justiça Federal pelos mesmos crimes.
“Nós esperávamos que o Ministério Público Federal, juntamente com as autoridades, tomassem essas iniciativas. Na ausência delas, nós fizemos. Primeiro, a gente foi ao MPF e protocolou, em 28 de agosto do ano passado, a notícia de fato, uma notícia-crime. O MPF não fez absolutamente nada, não respondeu. Em 14 de setembro do ano passado, a gente entrou, na falha, na ausência, na inação, na inércia do Ministério Público Federal, nós entramos com uma queixa-crime subsidiária na Justiça Federal”, explicou.
Depois do colapso da mina 18, uma das 35 minas abertas pela mineradora, em dezembro de 2023, a Polícia Federal iniciou a operação Lágrimas de Sal. A associação impetrou, em 2024, um recurso ordinário constitucional em mandado de segurança, para que o Tribunal de Justiça permita o acesso das vítimas ao inquérito e se possa dar andamento à queixa-crime.
“Fazemos um apelo a esse Senado para que as vítimas tenham acesso à investigação criminal da Polícia Federal. O que percebemos é uma blindagem institucional do sistema de justiça e das autoridades, para que a Braskem não seja criminalizada, não perca o grau de investimento na Bolsa de Valores e siga com as suas ações valorizadas, enquanto nós aqui tentamos buscar a responsabilidade dela”, afirmou.
A CPI da Braskem foi aberta em dezembro de 2023. Ela apura a responsabilidade jurídica e socioambiental da petroquímica brasileira, instalada na década de 1970, em Maceió, como Salgema. Em 2022, por meio de uma fusão, tornou-se Braskem, parte da antiga Construtora Odebrecht, hoje Novonor. Ao longo dos anos, foram abertas 35 minas pela mineradora para extração do sal-gema, que desestabilizam o solo de cinco bairros da capital Maceió. Nesta terça-feira, a CPI também ouve o ex-procurador-geral do Estado de Alagoas, Francisco Malaquias, e o coordenador-geral do Movimento Unificado das Vítimas da Braskem, Cássio de Araújo Silva.