A denúncia do Movimento Unificado das Vítimas da Braskem (MUVB), com apoio do economista Elias Fragoso, foi apresentada na sexta-feira (21), em carta direcionada aos bancos credores da mineradora e aos moradores das áreas atingidas pelo afundamento do solo em Alagoas. O documento denuncia a existência de um passivo “colossal” em aberto da empresa, junto à 140 mil pessoas físicas e jurídicas, vítimas da tragédia socioambiental e econômica que provocou em Maceió.
“Direcionamos essa carta aos bancos credores da Braskem, porque são instituições que estão em tratativas com a empresa para a sua negociação”, disse Fragoso à Tribuna de Alagoas. “A carta tem como objetivo alertá-los em relação ao tamanho real do passivo da empresa em Alagoas, muito aquém do que ela apregoa; notificá-los da exigência da participação dos maiores credores da empresa”, alertou o economista.
“[Que são] as vítimas privadas do megadesastre que ela provocou em Maceió. Chamar a atenção deles para o tamanho do mega passivo contraído pela Braskem, que não prescreve; e informar-lhes da existência de propostas dos credores privados e da disposição de negociar o passivo da empresa para com eles”, destacou.
Nos cálculos realizados, só a capital, Maceió, deveria receber em torno de R$ 8 bilhões pelos danos causados de imediato. Direcionada aos CEOs do Banco do Brasil, BNDES, Santander, Itaú-Unibanco e Bradesco, a carta acautela os bancos interessados na aquisição da empresa sobre “58% das vítimas – que foram obrigadas a abandonar residências e a história de vida construída nos bairros afetados pelo afundamento do solo provocado pela mineração – jamais foram procuradas pela Braskem”.
O alerta deixa claro que o percentual de 99,99% que a empresa diz ter pago refere-se apenas a 42% das vítimas, que são aquelas que residiam na chamada “área 00”. Porém, segundo o MUVB, cerca de 73.500 afetados seguem ignorados até agora. O movimento afirma ainda ter provas contundentes dos crimes e abusos cometidos pela mineradora, durante esses sete anos de tragédia.
“Temos visibilizado esses documentos, sem poupar quaisquer entidades, órgãos públicos e privados. Em meio a esta mobilização, fomos surpreendidos com informações sobre as tratativas da empresa com instituições financeiras, sem que tenhamos sido convocados a participar, enquanto credores”, afirmaram os signatários do documento.
Na apresentação da carta, no bairro do Pinheiro, as lideranças do movimento contaram com a presença do defensor público Ricardo Melro, que tem avançado nas ações por melhores reparações por danos morais e materiais, não só para as vítimas da área afetada delimitada pela Defesa Civil de Maceió, como também para os moradores das bordas e dos Flexais.
“É denunciado que a Braskem vem desinformando os órgãos fiscalizadores, seus acionistas e a opinião pública com falsas afirmações e soluções”, afirma o documento. O objetivo dessa carta, segundo os autores, “é alertar representantes dos bancos para prosseguirem em suas decisões, já devidamente comunicados a respeito da resiliência dos credores, que não descansarão até serem devidamente atendidos e reparados”.
O documento descreve a empresa como “um complexo químico superado tecnicamente e sucateado, de mais de 50 anos. Uma bomba com alto potencial para causar um mega acidente que pode alcançar e ameaçar a vida de até 150 mil pessoas que vivem no seu entorno”. Em nota, a Braskem disse que não vai encerrar as atividades industriais em Maceió.
Desabafo de um morador
Um dos coordenadores do MUVB, o servidor público Maurício Sarmento, desabafou em relação aos moradores das áreas atingidas pela mineração predatória, não só com aqueles expulsos de suas residências como também os que ainda moram nas bordas da zona de exclusão, sofrendo com o isolamento social.
“A luta das vítimas do crime ambiental da Braskem em Maceió continua. Enquanto a empresa ameaça fechar suas operações em Alagoas em uma clara tentativa de chantagem, famílias dos Flexais, Quebradas e Marquês de Abrantes seguem esquecidas, lutando por realocação e indenizações justas”, escreveu Sarmento, em suas mídias sociais, ressaltando que, “desde 2018, 20 pessoas já tiraram a própria vida, incluindo Dona Pureza, símbolo de resistência vencida pelo descaso e pela demora nas reparações”.
Sarmento acrescentou que “mesmo após reconhecer sua culpa na CPI da Braskem, a empresa continua protegendo seus figurões. A Polícia Federal indiciou apenas o segundo escalão, blindando a alta cúpula, mesmo diante da destruição de vidas e lares”, afirmou. “A Braskem pode blefar, mas as vítimas não se calarão. A luta é por justiça, dignidade e memória!”, concluiu.
O Caso
Na tarde do dia 3 de março de 2018, às 17:30:32, foi registrado por estações da Rede Sismográfica Brasileira (RSBR), operadas pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), um tremor de terra de 2,4 na escala Richter, após fortes chuvas em Maceió, gerando rachaduras em imóveis do bairro do Pinheiro e grandes crateras no asfalto de várias ruas, assustando a população em vário bairro onde o tremor foi sentido.
Depois de estudos, foi confirmado que a causa das rachaduras e do afundamento dos imóveis foi causado pelo colapso de uma mina de sal-gema no subsolo do Pinheiro. Com isso, em 2019, a Braskem anunciou o encerramento da exploração do minério em Maceió. Foi também iniciada a desocupação dos imóveis em áreas de risco nos bairros do Pinheiro, Mutange (100% afetado), Bebedouro, Bom Parto e Farol. Como também o tamponamento dos 35 poços de extração.
Cerca de 15 mil imóveis e 60 mil pessoas (e empresas) se viram obrigados a abandonar a área, tornando a região em bairros fantasmas. Qualitativamente, a tragédia anunciada, já que houve denúncias do desastre desde os idos anos de 1980, não há dinheiro que pague. Parte da história da cidade foi apagada, da história de famílias, da vida de cidadãos que decepcionados abdicaram de suas próprias vidas.