A Defensoria Pública do Estado de Alagoas (DP-AL) emitiu na quinta-feira (20) uma nota pública em que reafirma indícios de leve movimentação do solo em Maceió, para além da avenida Fernandes Lima, como também no bairro da Levada, a partir de informações da Nota Técnica nº 04/2022 do Serviço Geológico do Brasil (SGB). O documento critica a publicação de Nota Técnica, divulgada na última terça-feira (18), assinada pelos órgãos responsáveis, que descarta impactos da atividade de mineração nessas áreas.
No site da Prefeitura de Maceió, na terça-feira (18), uma publicação chama de “fake news” as informações sobre afundamento nessas regiões. “Afirmar que há um suposto subdimensionamento dos impactos geológicos na região não procede. Reforçamos que impactos que representem risco à segurança da população tem sido analisados, visto que a região é ininterruptamente monitorada”, diz a nota assinada pelo SGB e as Defesas Civis Nacional e de Maceió.
Segundo a DP-AL, esta reavaliação gera confusão na população, pondo em risco a credibilidade das informações oficiais referentes à tragédia. O órgão destacou ainda as inconsistências, que contradizem os dados técnicos registrados anteriormente e expressou preocupação, com os órgãos responsáveis, pela tentativa de minimizar esses indícios, que apontam movimentação sutil, na região dos Flexais e em outras áreas adjacentes.
Em entrevista à Gazeta de Alagoas, o defensor público, Ricardo Melro, contestou a nota conjunta publicada pela Prefeitura de Maceió. Para o defensor, esse documento, publicado na semana passada, esclarece movimentações no solo em pontos da capital que estavam fora do Mapa de Risco do afundamento, provocado pela Braskem, no bairro Levada, nos Flexais do bairro Bebedouro e em regiões próximas à Avenida Fernandes Lima, no bairro Farol.
“É uma nota deturpadora da realidade. O relatório é bastante claro. Os resultados obtidos sugerem movimentação na região do Flexal e também em todas as outras direções, inclusive além da Avenida Fernandes Lima. A medição foi feita no quartel do Exército. Então, ali, o gráfico técnico mostra que tem um afundamento”, afirma Melro, sobre publicação do site da prefeitura.
Além dos graves impactos sociais e psicológicos, sofridos pelas vítimas da tragédia no solo maceioense. Famílias que tiveram perda de bens materiais sofrem instabilidade emocionais e, sobretudo, pela falta de perspectivas de vida. Foram relatados casos de suicídios e processos de adoecimentos psicológicos severos, muito pela insegurança e pela falta de transparência por parte das autoridades.
“Tem um afundamento leve, mas tem. Quem está dizendo isso não sou eu, é o Serviço Geológico Brasileiro na Nota Técnica. Como é que vem agora dizer que não tem isso e que isso não foi dito? A Defensoria Pública não se intimidará e continuará buscando justiça para as vítimas, contra quem quer que seja”, disse Melro, complementando, que causa estranheza a mudança de comportamento do Serviço Geológico.
“Vou recorrer e pedir novas análises, um novo levantamento. Vou concluir uma ação em face dessa omissão e recusa do Serviço Geológico Brasileiro. Estou entrando na Justiça para que façam novos estudos aqui e a atualização da nota. O que foi feito nessa nota de ontem foi uma tentativa de distorcer informações técnicas para minimizar essa gravidade que a gente tá vendo. Essa nota é recheada de falsidades”, rebateu o defensor público, em entrevista à Gazeta.
Câmara do Vereadores
Após a divulgação da nota técnica, publicada no site da prefeitura, o vereador Leonardo Dias trouxe a discussão à sessão ordinária da Câmara Municipal, nesta quarta-feira (19). Evidenciando a afirmação do documento, que afirma a movimentação do solo, mas que ela é natural e não oriunda da atividade da empresa. E ainda descartando o risco de subsidência no bairro da Levada e na avenida Fernandes Lima.
Os vereadores exigiram maior transparência e a participação cabal do Legislativo nas discussões sobre o tema. O vereador Rui Palmeira, que era prefeito de Maceió à época do início do caso, revelou que se reuniucom o Ministério de Minas e Energia (MME) e a Agência Nacional de Mineração (ANM). Segundo ele, tais órgãos negaram a relação entre a mineração e os problemas em Maceió, antes do laudo divulgado pela Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM), que atestou a culpa da empresa.
“Eu ouvi da própria boca de um diretor da ANM que o problema de Maceió não tinha nada a ver com mineração. Pedi a ele um documento escrito, obviamente, e esse documento, é claro, nunca foi feito. Um mês depois, a CPRM veio a Maceió e confirmou que a causadora de tudo era a Braskem”, ressaltou o vereador e ex-prefeito.
“O que precisamos é transparência. A Defesa Civil é quem tem que procurar a sociedade e dizer o que de fato está acontecendo. Torcemos para que a área atingida não aumente, mas sabemos que há essa possibilidade. É importante que haja transparência, o que não vem acontecendo com o recurso que o município recebeu”, disse Rui.
NOTA PÚBLICA
(Defensoria Pública do Estado de Alagoas)
20 de Março de 2025
“A Defensoria Pública do Estado de Alagoas vem a público reafirmar que o próprio Serviço Geológico do Brasil (SGB), em sua Nota Técnica nº 04/2022, reconheceu indícios de movimentação leve do solo além da Avenida Fernandes Lima.
No item 7.5 do referido documento, o SGB afirmou:
“Observamos, que a simetria e continuidade das leituras de taxas pequenas, onde não há precisão do método, os resultados obtidos sugerem movimentação muito sutil na região do Flexal e também em todas as outras direções, inclusive além da Av. Fernandes de Lima.”
Diante disso, causa estranheza a recente nota conjunta do SGB e das Defesas Civis Nacional e Municipal, que tenta negar a existência desses indícios, contradizendo a própria avaliação técnica feita pelo órgão em 2022.
Essa mudança de posicionamento não apenas desorienta a população, mas também compromete a credibilidade das informações oficiais sobre um problema de extrema gravidade.
A tragédia de Maceió não pode ser relativizada ou reduzida a disputas políticas e institucionais. O colapso do solo tem causado desespero, desalojamento e graves impactos psicológicos a milhares de pessoas. O sofrimento das vítimas não se restringe à perda material, mas atinge profundamente sua dignidade, sua estabilidade emocional e sua perspectiva de futuro. Há relatos de suicídios e de adoecimento psicológico severo entre os atingidos, que, além da tragédia, ainda enfrentam a insegurança e a falta de transparência das autoridades.
Nesse cenário, é inaceitável qualquer tentativa de distorcer informações técnicas para minimizar a gravidade dos fatos.
Além disso, a nota conjunta ignora pontos fundamentais da Nota Técnica 04/2022, tais como:
•Necessidade de levantamentos mais precisos (Laser Scanner e Topografia Detalhada – Item 7.7)
•Possível subdimensionamento da área de risco (Item 7.3).
•Afundamento sutil na região do Flexal e impossibilidade de afirmar que não está havendo afundamento naquela região (Item 7.6 e 9.2.2)
•Falhas no monitoramento da Defesa Civil Municipal (Item 6.3 e 6.5).
•Item 9.2.2: “Os estudos apresentados demonstram necessidade de levantamentos topográficos com maior precisão, em relação ao levantamento de interferometria.”
Outro ponto que merece ser esclarecido é a alegação de que a Nota Técnica 04/2022 teria sido amplamente divulgada. Quem exatamente fez essa publicidade?
Chega-se ao ponto de citar um trabalho acadêmico que utilizou a NT 04/2022 como prova de sua publicização. Desde quando um estudo isolado no meio acadêmico equivale a ampla transparência?
Onde foi publicado oficialmente esse documento? Em que Diário Oficial foi divulgado?
Não há registro de divulgação pública efetiva da NT 04/2022, e a tentativa de apresentar essa informação como se estivesse ao alcance de todos apenas reforça a falta de transparência com que o tema foi tratado.
A Defensoria Pública do Estado de Alagoas segue comprometida com a verdade e com a defesa dos direitos das vítimas. Reafirmamos a necessidade de transparência, seriedade e responsabilidade na condução desse tema, sem interferências políticas ou institucionais que apenas ampliam o sofrimento da população atingida.
E não se pode tratar um assunto tão grave como se fosse um tosco embate político. A realidade dos fatos não muda por conveniência institucional.
A Defensoria Pública do Estado de Alagoas não se intimidará e continuará buscando justiça para as vítimas, contra quem quer que seja.
O inteiro teor da Nota Técnica nº 04/2022 está disponível no site da Defensoria Pública do Estado de Alagoas para consulta pública.
Maceió, 19 de março de 2025
Ricardo Antunes Melro
Coordenador do Núcleo de Proteção Coletiva da Defensoria Pública do Estado de Alagoas”.