Publicado na revista científica Nature Communications, um estudo recente aponta a redução do fluxo de água de mais da metade dos rios brasileiros, devido ao movimento descendente no solo, denominado percolação, em direção aos aquíferos subterrâneos. A situação mais crítica foi identificada na bacia do rio São Francisco onde, segundo os pesquisadores, “61% dos rios afluentes analisados mostraram potencial de perda de fluxo de água para os aquíferos, resultado atribuído ao uso intensivo de águas subterrâneas principalmente para a irrigação”.
A pesquisa, realizada pelas Universidade de São Paulo, Federal do Mato Grosso do Sul, Estadual Paulista e Universidades do Canadá, do Colorado, da Califórnia e de Nova Jersey, demonstrou, com base na análise de quase 18 mil poços, que mais da metade deles, o equivalente a 55,4%, estão abaixo do nível dos riachos, indicando infiltração e risco de redução no fluxo dos rios. O estudo reforça uma situação já conhecida para ribeirinhos, academias e o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco.
O professor da Universidade Estadual Paulista e membro da Câmara Técnica de Águas Subterrâneas do CBHSF, Chang Hung King, destaca a importância do estudo em escala nacional e lembra que há muitos anos o aquífero Urucuia, o maior contribuinte para a vazão da bacia do São Francisco, vem demonstrando redução da disponibilidade hídrica.
“O aquífero Urucuia chega a contribuir com até 80%, dependendo da vazão média ou máxima no São Francisco. Na época de estiagem, ele é fundamental, principalmente para o baixo São Francisco. O que esse trabalho mais recente mostra é que há uma grande contribuição do papel do aquífero para a diminuição de vazões. Isso quer dizer que há uma reversão, onde o rio passa a alimentar o aquífero que não consegue mais contribuir. Esse é um fenômeno que conhecemos bem, principalmente no semiárido”.
Segundo o professor Chang, outro estudo publicado na revista Águas Subterrâneas, em 2017, diagnosticou a redução da vazão do aquífero Urucuia, que, desde 1980, apresenta padrão de queda contínua, numa diminuição de quase 50%. “Esse estudo utilizou dados da missão GRACE, analisando o período de 2003 a 2014 e estimou uma redução no armazenamento do aquífero Urucuia de 9,75 km3 no período, uma perda equivalente a 30% da represa de Sobradinho. É importante salientar que neste período não houve uma redução de chuva estatisticamente significativa”, destacou,
Bacias afluentes mais afetadas
O ponto mais crítico apontado pelo estudo publicado na Nature Communications foi a bacia do rio Verde Grande, afluente do São Francisco, com uma área aproximada de 30.400 km². O potencial de perda de fluxo afeta, pelo menos, 74% dos cursos d’água. O presidente do Comitê da Bacia do Rio Verde Grande, Flávio Gonçalves Oliveira, destaca as inúmeras dificuldades vivenciadas pela população da região. Com 35 municípios, sendo 27 mineiros e oito baianos, por suas características de rios intermitentes ou temporários, a exploração das águas subterrâneas é uma das principais fontes para o abastecimento da região.
“Embora estejamos em uma região semiárida, chove até bem, mas em um curto espaço de tempo. Além disso, praticamente todos os rios afluentes são efêmeros ou intermitentes, assim como o próprio rio Verde Grande, que seca. Percebemos mudanças no regime de chuvas e o uso das águas aumentou, e também estamos em uma região cárstica onde o nível dos poços baixa rápido, isso já é esperado. Ou seja, temos pouca disponibilidade hídrica, a população só aumenta, o que incorre na necessidade de maior produção por alimentos,
O presidente é enfático ao afirmar que o uso da água subterrânea na região da bacia do Verde Grande se apresenta como uma das poucas alternativas já que, segundo ele, “não há água superficial”. “E aí fica o grande questionamento, como as pessoas vivem sem água? Temos que proteger, conservar, evitar contaminação, mas se temos uma demanda maior que a oferta, tem que se pensar em estratégias para atender”.
Há quase seis anos o problema foi solucionado por meio da construção de uma adutora que faz captação no rio São Francisco. “Além de poços tubulares que também são outra alternativa, a construção da adutora, que pega água no São Francisco, em uma distância de quase 400 km, solucionou o problema de abastecimento da cidade, mas é preciso se pensar a longo prazo, porque a população continua crescendo e a demanda por água também”.
*Com Assessoria de Comunicação do CBHSF