O Brasil perdeu um dos maiores nomes da imprensa nacional. O jornalista, escritor e político, Sebastião Nery, faleceu na madrugada desta segunda-feira (23), aos 92 anos, no Rio de Janeiro.
Baiano, Nery foi um dos principais jornalistas e colunistas do pais, com participação em cerca de 24 veículos de comunicação, inclusive no jornal Gazeta de Alagoas. Deputado estadual pela Bahia e federal pelo Rio de Janeiro, foi cofundador do Partido Democrático Brasileiro. Como escritor, lançou diversos títulos sobre a história recente do Brasil e o folclore político nacional.
Grande amigo do nosso colunista Carlito Lima, Nery dedicou um texto sobre a obra “Confissões de um capitão”, da safra de Carlito. A crônica foi publicada em 23 de agosto de 2005, nos maiores jornais do país. O NC republicou o material na íntegra, em homenagem ao grande profissional da imprensa, que ajudou a construir a intelectualidade e a história brasileiras.
O dia em que Arraes disse não* Sebastião Nery Curitiba – No dia 1° de abril de 1964, o tenente Carlos Roberto de Peixoto Lima, Carlito Lima, servia na 2ª Cia de Guardas, tropa de choque e combate urbano do IV Exército, em Recife. Primeira missão: comandar seu pelotão de 40 homens para dispersar uma manifestação no sindicato dos bancários e acabar com aglomerações no centro, prendendo os que resistissem. Cercaram o sindicato, uns saíram correndo e outros devagar. Um homem alto e magro, fisionomia triste, barba por fazer, disse corajosamente que só saia preso ou morto. Saiu preso, só ele. A tropa marchando pelas ruas de volta ao quartel, e ele no meio. Numa esquina, o tenente o puxou pela camisa e gritou no ouvido dele: – Se manda, porra! Senão você vai morrer! O cara deu um pique e desapareceu na primeira rua. O ALMIRANTE A praça do Campo das Princesas, onde fica o palácio do governo, já estava ocupada, com soldados deitados em posição de tiro e metralhadoras apontadas. Lá dentro, Miguel Arraes mais uma vez mostrava quem era. O almirante Dias Fernandes tinha ido lá bem cedo comunicar ao governador que, no sul do País, os militares haviam “desfechado uma revolução contra o governo federal” e que ele viajasse imediatamente para encontrar-se com o presidente João Goulart. E, se Arraes quisesse resistir em Pernambuco, ele oferecia os quartéis da Marinha. Arraes disse apenas: – Senhor Almirante, talvez neste momento já seja prisioneiro do IV Exército. Talvez eu já atravesse a porta deste gabinete preso. Mas nunca os senhores conseguirão que o atual governador de Pernambuco saia desta sala desmoralizado. Eu tenho um mandato que me foi conferido não pelos senhores, mas pelo povo e que termina numa data certa. Os senhores não me podem tomar essa representação que o povo me conferiu. Poderão, no entanto, impedir-me de exercê-la pela força. Enquanto for governador de Pernambuco, não aceitarei a menor limitação às minhas prerrogativas constitucionais. O almirante saiu, o IV Exército entrou, exigiu a renúncia, Arraes disse não, saiu e foi levado para o degredo em Fernando de Noronha. A DIFERENÇA Meses depois, o tenente Carlito Lima recebeu um envelope fechado, que só poderia ser aberto no aeroporto militar de Recife. Lá, abriu. Era para pegar Arraes, chegando de Fernando de Noronha, e levá-lo para a 22 Cia de Guardas. Ao passarem pela Avenida Sul, Arraes ficou com os olhos mareados: – Tenente, quando eu era prefeito do Recife, construí essa avenida. Foi uma de minhas grandes obras. Resolveu o congestionamento desta cidade. A Cia de Guardas foi transformada no QG do golpe em Pernambuco, comandado pelos coronéis Ibiapina e Bandeira, do comando do IV Exército. Enfiados em xadrezes construídos nos anos 40 para soldados indisciplinados, lá estavam, há meses, o venerando prefeito de Recife Pelopidas Silveira, Francisco Julião das Ligas Camponesas, o comunista Gregório Bezerra, o educador Paulo Freire, o historiador Paulo Cavalcanti, deputados Cicero Targino de Pernambuco, Assis Lemos da Paraíba, o líder camponês Zezé da Galileia, o advogado Gibraldo Moura Coelho, muita gente. Arraes conseguiu um habeas-corpus no Supremo, de lá foi para a embaixada da Argélia no Rio e daí para o exílio em Argel. Toda essa história, minuciosa, está contada em um excelente livro-documento de Carlito Lima, Confissões de um capitão, prefaciado por Vladimir Palmeira. Sabem por que escrevi hoje sobre Arraes e o livro do Carlito Lima? Para não vomitar. Não agüento mais essa podridão diária do governo Lula. É bom saber que nem todos que o povo elege o traem pelos vis 30 dinheiros de Judas. * Crônica publicada originalmente na terça-feira, 23 de agosto de 2005, nas páginas dos maiores jornais do Brasil |