Pessoas ouvidas pelo portal G1 afirmaram que estão com dificuldade de acessar o aplicativo World App e receber o pagamento em criptomoedas pela venda de dados biométricos. A coleta da íris faz parte do projeto WorldID, da empresa Tools of Humanity (TfH), que instalou em torno 50 estações de escaneamento na capital paulista e recolheu dados de cerca de meio milhão de brasileiros. Na terça-feira (11), a empresa interrompeu temporariamente os serviços após a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) determinar a suspensão do pagamento pela coleta biométrica.
O World App – canal oficial de atendimento aos interessados e essencial para participar do projeto – não estaria funcionando. O pagamento se daria em tokens WLD, que poderiam ser sacados, utilizados em investimentos, ou trocados por outras criptomoedas, resultando, em média, no valor de R$ 600. Nas primeiras 24h após a coleta, os participantes receberiam 20 criptomoedas, chamadas “worldcoin”, e mais outras 28, distribuídas mensalmente ao longo de um ano. Para muitos participantes, a venda de dados era um meio de ganhar um “dinheiro extra”.
Já em janeiro, a ANPD havia suspendido o pagamento pela coleta da íris. A TfH teria recorrido e ganhado, e passado, então, a atuar nas periferias de São Paulo capital. Em entrevista ao Jornal Nacional, da Rede Globo, o diretor-presidente da ANPD, Waldemar Gonçalves Ourtunho Júnior, tinha dito que, após a coleta, não haveria como voltar atrás.
“É uma operação que eu não vou voltar, não tenho como me arrepender. ‘Olha, não quero, apaga a coleta’. A coleta fica parte na empresa e parte no celular. Então, acho que esses pontos ainda têm que ser esclarecidos para uma posição definitiva. Eu não sei se o Brasil vai para uma decisão de suspender o serviço. Mas, no momento, a gente está só querendo garantir que o consentimento seja sem contrapartida”, afirmou Ourtunho.
Riscos da venda de dados biométricos
Segundo o portal Infomoney, a advogada Patrícia Peck, especializada em Direito Digital, explicou a dificuldade de utilização do World App para pessoas comuns, uma vez que parte das transações se dariam numa mistura de idiomas como português de Portugal e inglês. “Além disso, as dúvidas no chat são atendidas em espanhol. O que merece uma atenção especial, pois também se aplica o Código de Defesa do Consumidor”, disse Peck.
De acordo com a advogada, não há legislação de proteção desses tipos de dados. Ademais, haveria uma urgência de se estabelecer um padrão único e universal de identidade digital “Quem detiver esse padrão no mundo, capaz de determinar se alguém é humano ou não, terá muito poder. O que é preocupante porque não se tem ainda uma legislação ampla de proteção desse tipo de dado nem mecanismos de controle, garantias, supervisão, limites de uso, e implicações disso para indivíduos e para o país”, esclareceu a especialista.
Peck disse ainda que, conforme o disposto no art. 18, VI da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), o titular dos dados pessoais tem direito a obter do controlador daquela informação, a qualquer momento e mediante requisição, a eliminação dos dados pessoais tratados com o consentimento do titular. Outro ponto, seria que o pagamento poderia macular o livre consentimento da coleta.
“O benefício financeiro, se excessivo, pode distorcer e macular o consentimento, que precisa ser livre. Não há uma vedação na lei para que o titular obtenha uma recompensa financeira, mas se entendido que houve comprometimento da escolha por questão de necessidade, por exemplo, pode ocasionar vício de consentimento”, enfatizou a advogada.
“Em um país em onde 27,4% da população vive abaixo da linha da pobreza e 7 milhões de pessoas encontram-se desocupadas, a contraprestação oferecida é significativa e, de fato, engaja pessoas a aderirem ao projeto sem entender o que estão fazendo, o que é muito preocupante’, complementou.
A TfH
A TfH que o objetivo do projeto é garantir que a identificação digital pertença de fato a um ser humano real. A iniciativa atua em 18 países. A empresa afirma que as impressões coletadas são desvinculadas dos dados pessoais, que serão apagados posteriormente. A startup foi fundada pelo CEO da OpenIA, San Altman.