O Brasil vive uma verdadeira epidemia silenciosa no trânsito: a vulnerabilidade e falta de segurança dos motociclistas. Um estudo realizado pela Fundación MAPFRE, em parceria com o Instituto de Segurança no Trânsito (IST), mostra que, apesar de a motocicleta ter se tornado uma solução de mobilidade e uma ferramenta de trabalho para milhões de brasileiros, ela também está no centro de uma crise de saúde pública.
Explosão da frota e seus impactos na segurança de motociclistas
Entre 2000 e 2023, a frota de motocicletas saltou de 4 milhões para 35 milhões de unidades. O fenômeno foi impulsionado por fatores como:
*Acessibilidade econômica, já que a moto tem custo de aquisição e manutenção menores que o carro.
*Deficiência do transporte público, insuficiente em cidades de pequeno e médio porte.
*Ferramenta de trabalho, especialmente com o crescimento das entregas por aplicativos e o uso do mototáxi.
*Agilidade no trânsito urbano, reduzindo tempo de deslocamento e oferecendo sensação de liberdade.
Em diversos estados brasileiros, as motocicletas já superam os automóveis em número de registros. Mas a expansão da frota não veio acompanhada de políticas públicas de segurança eficazes.
Mortalidade e invalidez em números críticos
Os motociclistas são, hoje, o grupo mais vulnerável nas vias brasileiras. O estudo aponta que eles representam 52% das mortes no trânsito e 85% das vítimas de invalidez permanente.
*Entre 2000 e 2004, cerca de 18 mil motociclistas morreram em sinistros. Entre 2015 e 2019, esse número saltou para quase 60 mil mortes.
*Só em 2022, aproximadamente 12 mil motociclistas perderam a vida, o que equivale a 44% de todas as vítimas fatais do trânsito.
*O impacto é ainda maior nas regiões Norte e Nordeste, onde quase metade das mortes no trânsito envolve motociclistas.
*Jovens entre 20 e 24 anos concentram as maiores taxas de mortalidade.
*De cada 10 indenizações por invalidez permanente pagas pelo DPVAT, mais de 8 foram destinadas a motociclistas.
O peso social e econômico é enorme: jovens, muitas vezes provedores de famílias, ficam incapacitados para o trabalho, sobrecarregando os sistemas de saúde e previdência.
Quem é o motociclista brasileiro
A pesquisa entrevistou mais de 1.200 motociclistas de veículos até 300 cilindradas e traçou um perfil detalhado:
*Idade média de 38 anos, com maior concentração entre 25 e 44 anos.
*A motocicleta é usada diariamente por 68% dos entrevistados.
*Para 72,5%, é o principal meio de transporte.
*Mais de um terço utiliza a moto como ferramenta de trabalho.
Metade dos entrevistados já se envolveu em algum sinistro de trânsito. Homens se envolvem mais em acidentes que mulheres, e os afastamentos do trabalho após lesões variam de poucos dias a mais de um mês.
Comportamentos de risco em destaque
O excesso de velocidade aparece como a infração mais recorrente. 44% das multas aplicadas a motociclistas estão relacionadas a esse comportamento. Além disso:
*Quase 25% admitem já ter pilotado sob efeito de álcool em alguma ocasião.
*Apenas 31% afirmam nunca desobedecer às leis de trânsito.
*O uso de drogas é minoritário, mas não inexistente.
*O capacete tem alta adesão (quase 90% sempre utilizam), mas há negligência da maioria no uso de outros equipamentos de proteção, como jaquetas, botas e luvas.
Formação e habilitação: um ponto crítico
Um dos achados mais preocupantes do estudo é a falha estrutural na formação dos motociclistas.
*Apenas 30% aprenderam a pilotar em autoescola.
*Mais de 60% aprenderam de forma informal, com familiares, amigos ou por conta própria.
*22% começaram a pilotar antes da idade legal.
*12% não possuem CNH-A — número ainda maior nas regiões Norte e Nordeste.
As principais barreiras para a habilitação são custo elevado, burocracia e exames teóricos que, em muitos casos, tornam-se obstáculos para quem tem baixa escolaridade.
Instrutores de autoescola entrevistados também criticaram o modelo atual de ensino, afirmando que ele prepara apenas para o exame em circuito fechado, e não para a realidade das ruas.
Estrutura precária e fiscalização insuficiente
Além do comportamento dos condutores, fatores externos agravam a insegurança. Buracos, má pavimentação e sinalização deficiente foram apontados como grandes causadores de quedas e acidentes.
A fiscalização, embora vista como necessária, é considerada insuficiente em boa parte do país, especialmente em áreas do interior e nas regiões Norte e Nordeste, onde a condução sem capacete e sem CNH ainda é frequente.
Segmentos específicos: desafios distintos
*Mulheres motociclistas: relatam pilotagem mais defensiva e veem na moto uma forma de liberdade e independência.
*Entregadores por aplicativo: convivem com a pressão do tempo e sofrem estigma social, o que os expõe a maiores riscos.
*Motociclistas do interior: enfrentam problemas como animais na pista e fiscalização quase inexistente.
*Condutores sem CNH: principalmente no Norte e Nordeste, circulam sem habilitação devido a barreiras econômicas e à baixa percepção de risco.
Recomendações do estudo
A Fundación MAPFRE e o IST defendem um conjunto de medidas integradas para enfrentar a crise:
1.Educação e conscientização permanentes, com foco em pilotagem defensiva.
2.Facilitação do acesso à CNH-A, por meio de programas sociais e menos burocracia.
3.Reforma na formação de condutores, aproximando a prática da realidade do trânsito.
4.Investimentos em infraestrutura, com pavimentação de qualidade e sinalização adequada.
5.Fiscalização efetiva e educativa, para coibir comportamentos de risco e reduzir a informalidade.
Um chamado à ação
O estudo é categórico: a situação dos motociclistas no Brasil é uma crise de saúde pública que exige respostas imediatas. Sem mudanças estruturais na formação, fiscalização, infraestrutura e cultura de segurança, o país continuará pagando um preço altíssimo em vidas e em custos sociais.
*Fonte: Portal do Trânsito e Mobilidade




























