quarta-feira, 24 de dezembro de 2025 – 11h20

Alexandre Câmara lança ‘O Mar Salva Mas Afoga’ com a flâmula da liberdade nas mãos

Obra inaugural, de uma trajetória de 40 anos de poesia, será lançada na quinta-feira (17), às 15h, no MUPA, em Maceió
O poeta e jornalista, Alexandre Câmara - Foto: Divulgação/PauloBezerra

Alexandre Câmara atravessa 40 anos de poesia numa trajetória impetuosa, como um cavaleiro andante, que traça o própro caminho e registra a própria história. São mais de 500 poemas escritos ao longo do tempo, que contam a sua permanência itinerante, a sua inocência acurada e o seu amor libertário. E, hoje, provocam uma reflexão sociopolítica, que inclui o Brasil no panorama Sul Global. 

Com a flâmula da liberdade nas mãos, o poeta e jornalista publica “O Mar Salva Mas Afoga”, sua obra inaugural. O livro será lançado numa “tarde de gala” entre amigos, admiradores, curiosos e colegas de profissão. O evento acontece na quinta-feira (17 de julho), às 15h, no Museu Palácio Floriano Peixoto (MUPA), no Centro de Maceió (AL). 

A obra reúne, em capítulos, poemas que envolvem a terra natal, Alagoas; o percurso beatnik, “com o elogio ao deslocamento”; os “poemas de soldado, militantes”; o resgate de culturas antigas, “aquelas que vieram antes da hegemonia europeia”; e o assombro do amor “visto sem ilusão, com distância e verdade”. 

Nesta entrevista para o Notícias do Centro, Alexandre Câmara nos conta um pouco desse processo criativo, que reúne poemas e revolução pessoal. “A partir dele, eu começo uma carreira literária mais organizada. Quero deixar registrado tudo o que eu vivi.  Eu ousei viver como eu quis”, afirma. De braços dados com a coragem, o poeta declama o texto e aponta o caminho.

Notícias do Centro – Como a poesia pode refundar a sensibilidade política?

Alexandre Câmara – Olha, eu não acho que a poesia sozinha vá refundar nada. O importante é o que ela carrega. No meu caso, o livro funciona como um convite pra essa travessia. Aqui, ele é só um capítulo, um prenúncio. O trecho sobre travessia nesse livro não dá conta — não chega a um terço das coisas que eu já tenho pensado e anotado sobre esse assunto. Mas é preciso começar por algum lugar. Então, estou tentando abrir essa conversa, provocar reflexão.

Em paralelo, estou trabalhando num material maior e mais profundo, quase um ensaio mesmo, que cartografa como poderia funcionar esse sistema — nos territórios, na vida digital, no acesso à tecnologia, na relação entre países, inclusive questões jurídicas e econômicas. Eu não estou criando isso do nada. Tem muitos pensadores que já apontam essa necessidade de refundar a sociedade. Eu estou reunindo essas ideias, tentando articular, dar minha contribuição. Em breve, quero chegar com algo mais estruturado sobre isso.

NC – Por que essa sensibilidade deveria ser refundada a partir do Sul Global?

AC – Porque o Sul Global viveu e vive até hoje as consequências da exploração. Foram territórios usados por séculos para enriquecer a Europa no período de colonização. A América Latina inteira passou por isso. A África foi saqueada, teve seu povo escravizado, suas riquezas levadas embora. E os Estados Unidos também fizeram um processo de colonização quando invadiram a América do Norte — dizimaram os povos indígenas para ficar com as terras e as riquezas deles.

Aqui, no Brasil, antes da colonização, os povos indígenas tinham sistemas sociais, econômicos, saberes, religiões — tudo isso foi desmontado. Catequizaram, escravizaram, tomaram as terras, levaram as riquezas para fora. Mesmo depois, o sistema econômico continuou mantendo essa dependência. São continentes que até hoje sofrem essas consequências. Refundar uma sensibilidade política a partir do Sul é resgatar o que foi calado, criar outro olhar, outro jeito de viver, que valorize essas memórias e saberes.

NC – O que seria a “margem” que a sua poesia “deveria” libertar?

AC – É o que eu falei antes sobre refundar a partir do Sul. Refundar a partir da margem é fazer com que o crescimento venha desses lugares, que sempre foram desvalorizados. É reconhecer a força que existe no quilombo, na aldeia, na favela, na periferia. É valorizar o saber popular, a cultura local, dar condição para essas vozes crescerem. Mas isso não acontece sozinho.

É um processo que exige articulação, uma união mesmo de uma  esquerda global, capaz de olhar para esses territórios, com respeito e estratégia. Porque não adianta pensar só em transformação local se a gente não enfrentar o sistema maior que mantém essas desigualdades. É uma mudança que precisa de consciência, planejamento, política e afeto. É reconhecer a margem como centro de potência.

NC – Esse caminho literário de 40 anos é um destino definido, ou um caminho “que se faz ao andar”?

AC – Não tinha nada definido. Eu sempre escrevi para me salvar mesmo. Às vezes, você procura pensamentos universais que são difíceis de achar no outro. Às vezes, encontra em uma literatura antiga, em outro autor. Mas eu acho importante que você também expresse o seu, que você deixe escrito, que você perpetue e discuta essas ideias.

A única coisa que eu tinha definida era isso: eu queria permanecer depois que eu morresse. Eu não tive filhos e, para mim, os poemas são filhos que não morrem. Era o jeito que eu encontrei de ficar. Mas esse meu caminho literário bifurcou nos últimos anos. Antes, o meu propósito era falar de amor, mostrar rebeldia, a liberdade sexual, que eu vivi com coragem. Hoje, o tempo mudou, as pessoas estão mais livres. Agora meu propósito é muito mais político e social. Esse livro é totalmente diferente de tudo que eu já escrevi até hoje.

Obra inaugural será lançada na quinta-feira (17), em Maceió (AL) – Foto: Reprodução

NC –  “O Mar Salva Mas Afoga” conta a sua história? Ou a história desses 40 anos de literatura? Ou o homem se entrelaça no poeta?

AC – Esse título já carrega muito do que eu queria dizer. Ele é paradoxal: salva e afoga ao mesmo tempo. Em nível pessoal, o mar salva porque é lugar de cura, de contemplação, de renovar as forças. Mas também afoga, porque exige respeito — ele pode tirar a vida se você não souber lidar com ele. E, no sentido histórico, o mar também salva e afoga. Salvou a Europa ao permitir as grandes navegações que exploraram as Américas, enriquecendo as metrópoles, sustentando sua economia e cultura. Mas afogou as culturas indígenas e africanas que foram destruídas, apagadas ou escravizadas nesse processo.

Então, o título carrega essa contradição essencial: o mar como caminho de salvação para uns, de destruição para outros. Esse livro nasce dessa consciência. Ele não é minha biografia, mas reflete o meu momento — condensando amor, memória e esse olhar crítico e político sobre o mundo. É diferente de tudo que eu já escrevi até hoje.

NC – Você é jornalista de formação e de atuação. O que da linguagem jornalística influenciou a expressão poética de sua obra?

AC – Olha, não foi só o jornalismo em si. Ele me deu ferramentas, claro, mas também tem limite. O jornalismo faz a análise diária dos acontecimentos, mas, muitas vezes, é superficial — porque lida só com as questões imediatas do sistema, sem questionar o sistema em si. Não filosofa, não aprofunda de forma sociológica. E a gente não pode esquecer que o jornalismo tem lado. O jornalismo ocidental, por exemplo, muitas vezes vende a ideia de que guerras e invasões são “em nome da paz” ou “da democracia”, quando na verdade servem para garantir petróleo, minerais, rotas comerciais — destruindo sociedades inteiras, como a gente está vendo em Gaza agora.

O jornalismo tradicional está muito atrelado ao poder político e econômico. Ele embota a consciência crítica média do cidadão com essas narrativas. Então, é preciso saber o que ler. Existe jornalismo independente, com outras visões. Você tem o Sputnik, que traz outro olhar geopolítico. Tem a Revista Fórum, o ICL Notícias, que buscam dar uma notícia mais verdadeira, mais completa. E, hoje, além de tudo, você precisa saber separar o que é fake news, entender o papel das big techs nisso tudo. Por isso, eu digo: o jornalismo me deu a sobrevivência — foi com ele que eu sobrevivi. Mas foi com outras leituras, com filosofia, com literatura, com poetas, como Rimbaud, Ginsberg, com Nietzsche, que eu consegui transcender e viver de verdade.

NC – Este livro pretende fundar uma ideia de literatura ou uma bandeira de refundação política?

AC – Fundar uma ideia de literatura, não. Isso eu não pretendo. Mas uma bandeira de refundação política, sim. Porque a gente chegou a um ponto na sociedade em que se está mudando de fase — saindo daquele mundo globalizado clássico para um mundo cada vez mais dominado pelas big techs. Um sistema, que tem como objetivo final, enriquecer ainda mais os ricos e empobrecer ainda mais os pobres. É um projeto claro de controle, onde até falam em uma “renda básica universal”, como o próprio Elon Musk já mencionou, para manter as pessoas quietas, presas às suas redes, alimentando o mesmo sistema que coleta e usa seus dados, dominando a criatividade e a liberdade de expressão.

Então, sim, a ideia é propor uma refundação — criar, paralelamente, outro mundo possível. Mas isso está só ali no capítulo da Travessia. O livro em si não pretende ser um manual para isso. Ele é feito de vertentes de uma vida, de pensamentos que foram se formando. Tem ancestralidade, tenta recuperar memórias apagadas de civilizações antigas. Tem a rebeldia inspirada nos beatniks. Tem um olhar para o amor mais maduro. E propõe essa travessia — mas é só um pedacinho dela.

NC – Como literatura, contracultura, política e sociedade se fundem na sua escrita?

AC – Elas se fundem na linguagem. Se fundem na minha visão de mundo. Se fundem na formação da minha persona, do meu perfil como poeta. O que eu entrego para as pessoas, através da minha escrita, carrega no bojo essa visão condensada — é o resultado de tudo o que vivi, do que li, do que questionei.

No livro, isso se organiza em capítulos que revelam essas camadas. O primeiro capítulo é um resgate da minha hereditariedade, da minha natividade alagoana — é o chão de onde eu vim. Já o segundo capítulo traz muito da minha influência beatnik, com críticas ao modo de viver de quem pega a estrada, essa cultura anterior ao hippie, que também faz parte da minha formação. É o elogio ao deslocamento, mas também o olhar crítico para o sistema.

Depois, vem o Mar Revolto, que são meus poemas mais de soldado mesmo — militantes, combatendo a fome, denunciando a exploração das religiões que prometem salvação no céu, enquanto a riqueza fica para eles aqui na Terra. Ali tem uma crítica social mais ampla, um lado mais de jornalista mesmo, questionando as estruturas.

Aí você chega à Vazante, que é onde busco resgatar as culturas antigas, aquelas que vieram antes da hegemonia europeia. É um tribunal da memória contra o apagamento. Vou na ancestralidade africana, no berço da humanidade, mas também olho para a China, para o Peru — para tudo o que foi varrido, silenciado, mas que carrega saber, conhecimento e riqueza cultural.

Já o Mar Profundo é o meu amor mais maduro até hoje. É o amor visto sem ilusão, com distância e verdade. E, por fim, você tem A Travessia, que é justamente esse convite a pensar outro mundo possível. É um pedaço do que eu estou tentando estruturar como proposta — mas aqui é só um começo, um chamado.

Minha escrita é isso: um mosaico onde literatura, contracultura, política e sociedade se misturam, se tensionam e se costuram.

Alexandre constroi a sua literatura ao longo de 40 anos de poesia – Foto: Reprodução/ArquivoPessoal

NC – Para quem você escreveu “O Mar Salva Mas Afoga”?

AC – Escrevi para mim. “O Mar Salva Mas Afoga” é o meu bote salva-vidas. A partir dele, eu começo uma carreira literária mais organizada. Quero lançar outros livros ainda este ano, se for possível, e no ano que vem também. Quero deixar registrado tudo o que eu vivi. Porque eu sou um sobrevivente. Eu tive coragem de largar empregos, de abrir mão de segurança para viver do meu jeito. Eu lutei por isso sabendo que não ia me deixar rico. Eu ousei viver como eu quis.

Na verdade, hoje eu vejo que esse é o meu propósito. Esse livro é um bote que me leva para outra vertente: a literária, mas também a de poder conversar com as pessoas, de dar palestras para juventude e dizer que é possível, sim, ser o que se quer ser. Viver como você escolhe viver. Queimar todas as etapas que sua alma pede. Viver tudo aqui, para poder sair desse mundo com a alma leve, crescida, expandida — porque você não ficou limitado pelos padrões que quiseram te impor. Você teve a coragem de ser quem quis ser. Foi e pronto. É isso.

NC – Quem é Alexandre Câmara? O que o nome dele quer perpetuar na poesia?

AC – Alexandre Câmara… Minha mãe dizia que eu era uma criança grande, que nunca cresci, e dava desconto para tudo o que eu fazia. Talvez ela tivesse razão. Sou uma pessoa bem-humorada, acordo feliz. Tenho certeza de que o riso é a minha marca registrada. Sou puro, inocente mesmo — não consigo ver maldade nas pessoas, nem perceber quando elas me querem mal. Só noto quando elas já foram embora.

Fui criado para ser o melhor aluno da classe, chegar todo ano em casa com medalha. Mas aquilo me dava ânsia de vômito — porque eu sentia que estava indo contra a minha própria alma. Eu acho que cada um vem com um propósito, que o espírito é consciente. Ele carrega hereditariedade, saberes de outras vidas, quereres que nem sempre são os mesmos de quem está à sua volta. Eu vim querendo coisas diferentes. E fui atrás delas. As que eu encontrei, eu agarrei com força.

Sempre fui alguém que amou muito. Que mergulhou em novos livros, novas culturas, novos mundos. Tive grandes amores, casei várias vezes, vivi com coragem. Hoje continuo sendo essa pessoa — mas, ao mesmo tempo, não sou mais a mesma. Porque a vida muda a gente. Os poemas são isso para mim: são meus filhos. São o jeito de perpetuar o que vivi, o que senti, o que pensei. São o que eu deixo para o mundo.

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