O alagoano Vinícius Amaral, que cresceu entre cordéis, aboios e a força simbólica da cultura nordestina, encontrou na pele o suporte perfeito para reviver a xilogravura. Tatuador há três anos, mas artista de estúdio desde a adolescência, ele transformou a admiração pelas matrizes de madeira, presentes em sua infância interiorana no município de Palmeira dos Índios, em uma linguagem própria, que une tradição, fé e narrativas profundamente enraizadas no cotidiano do Nordeste.
Seu trabalho vai além da técnica: é um resgate cultural. Ao adaptar para a tatuagem o contraste rígido, os vazios estratégicos e a estética marcante da xilogravura, ele cria composições que preservam a essência do sertão e contam histórias de origem, memória e orgulho. Entre pesquisas, vivências pessoais e conversas com seus clientes, sua arte se torna ponte para futuras gerações, levando a xilogravura a um novo público, agora impressa não apenas na madeira, mas na pele viva.
Com estúdio localizado em Palmeira dos Índios, ele se dedica tanto à tatuagem em estilo xilogravura, fineline e blackwork, quanto ao trabalho como piercer, atividade que exerce desde 2014, com forte compromisso em biossegurança, por meio de joias de titânio e swarovski. Os valores das tatuagens variam de acordo com a complexidade de cada projeto. Pequenas tatuagens podem ser executadas a partir de R$150 Já a arte em xilogravura varia, em média, de R$ 450 a R$ 600, com valores mais elevados para fechamento de braço.
Unindo técnica, tradição e cuidado, ele oferece uma experiência que valoriza não apenas a arte, mas também a identidade e a história de cada pessoa que o procura. Para contatos, o tatuador disponibiliza o perfil @amaralvincius, onde é possível também acessar o WhatsApp, além do e-mail [email protected]. Os atendimentos são feitos com hora marcada antecipadamente.
Confira abaixo a entrevista que Vinícius Amaral concedeu Notícias do Centro, em que ele trata desde os desafios técnicos do traço sólido até o simbolismo religioso, que permeia parte de suas criações, passando pela relação próxima, construída com cada cliente. Ao falar sobre fé, identidade, estética e pertencimento, o artista revela como a tatuagem de xilogravura se tornou, para muitos, uma forma de reafirmar raízes e de contar a própria história, com autenticidade.

Notícias do Centro – Há quanto tempo você atua como tatuador? Começou com que idade?
Vinícius Amaral – Sou tatuador há aproximadamente três anos. Iniciei aos 29 anos, mas trabalho em estúdio desde os 16. O principal fator foi a reprodução de ilustrações da xilogravura nordestina para o meio da tatuagem. Eu sou alagoano interiorano de Palmeira dos Índios, onde hoje moro.
NC – O que o levou a incorporar a estética e as técnicas visuais da xilogravura em seu trabalho?
VA – Como alagoano, mas principalmente interiorano, tive o destino de conhecer a xilogravura incluída na literatura de cordel muito jovem, da qual sou leitor até hoje, juntamente ao Movimento Armorial, de Ariano Suassuna.
NC – Quais elementos da xilogravura você considera mais difíceis de traduzir na pele? Qual o principal desafio técnico?
VA – Acredito que o uso da pele não pigmentada em alguns pontos são tão importantes quanto a própria pigmentação sólida e homogênea. Isso vai trazer, a longo prazo, estabilidade ao resultado, mesmo com a mudança da pele ao passar dos anos.
NC – Qual tempo médio você dedica ao design (produção) de uma tatuagem no estilo xilogravura?
VA – Ótima pergunta. Meu processo de criação leva dias. Nele, eu incluo vivências familiares e minhas, como sertanejo, lembranças, músicas que vão de aboios e toadas a artistas renomados e momentos de leitura. Além da pesquisa sobre os elementos. Sempre prefiro ter uma visita presencial para isso. Algumas coisas só podem ser compreendidas por pessoas numa conversa tranquila com um bom café.
NC – Quais critérios de segurança e higiene você adota para trabalhar com o traço fino e denso, característico deste estilo, garantindo a longevidade da tatuagem na pele e a segurança do cliente?
VA – Eu também sou piercer desde 2014. Então, a biossegurança faz parte do meu dia, onde também ministro cursos voltados para área. Já, para resultados satisfatórios a longo prazo, eu aposto no conhecimento sobre equipamento, aplicação e, principalmente, dilatação do pigmento no passar dos anos. Especialmente, porque uso o critério em essência de uma pele sertaneja, com bastante sol e poucos cuidados. Isso faz com que a execução seja sempre pensada para uma pele com aplicação oposta a ideal para uma tatuagem convencional.
NC – Como você gerencia a expectativa do cliente ao traduzir uma arte gráfica tão rica em contraste para a pele?
VA – Hoje, em um cenário de tatuagens tão delicadas, padronizadas, os traços e preenchimentos sólidos em preto vão na contramão. Acho que, de certa forma, manter a essência, trazendo à tona o real motivo de ter esse aspecto, é o que mantém vida nisso.
NC – O que o cliente busca ao escolher este estilo?
VA – O orgulho, a essência e a origem do nosso nordeste faz com que os clientes busquem, cada vez mais, levar o seu povo, a sua cultura e as suas vivências através desse estilo.
NC – A xilogravura, como arte de incisão e permanência, tem um forte apelo cultural. O que o corpo, como suporte final, adiciona simbolismo ou uma nova narrativa que a matriz de madeira original não possui? Ou não há essa relação?
VA – Na minha opinião, o principal ponto continua sendo levar ao tatuado o que lhe é essência e vida. Esse orgulho de ser nordestino é a força da nossa cultura. A modernidade faz com que precisemos adaptar uma cultura a novas gerações. A tatuagem em si é mais popular entre os jovens que a própria origem na madeira. A comunicação da pele viva com arte faz com que a tatuagem acabe sendo um caminho mais curto para o acesso à nossa cultura.
NC – Considerando que muitas xilogravuras têm temática religiosa, incluindo a cosmovisão católica, como você aborda o significado desses símbolos na tatuagem e na relação entre arte corporal e fé?
VA – O sertanejo nordestino tem uma fé inabalável, ela tudo suporta. Sendo católico, bebo dessa fonte, fazendo parte viva disso e assumo que essa fé tem interferência na minha criação. Nosso povo tem suas casas simples, mas cheias de fé, imagens de santos, flores, rosários e altares. Já, nesta relação, acredito que a tatuagem, por ser um acordo entre artista e cliente, traz consigo a necessidade de imparcialidade.
NC – Qual a sua visão sobre o futuro profissional e a aceitação do estilo xilogravura no mercado de tatuagem brasileiro? É uma consolidação estética?
VA – Apesar de ser um bairrista declarado, também me vejo como meio de popularizar a xilogravura. Quando iniciei, busquei saber quais eram os primeiros tatuadores a trazer o estilo para a pele. Encontrei, no tempo, cinco ou seis almas que buscavam isso, todos nordestinos. Hoje, já conheço mais de 15 tatuadores de outros estados, estilos diferentes, mas a mesma fonte cultural.
NC – Como você define, em poucas palavras, a estética que surge na intersecção entre a rigidez da xilogravura e a fluidez da tatuagem? Uma homenagem, uma fusão ou algo inteiramente novo?
VA – Hoje há uma grande fluidez sobre os estilos de imagens na xilogravura no mundo da tatuagem. Ainda assim, defendo, com unhas e dentes, que seja feita em homenagem, sem nunca esquecer da origem, da raiz e dos costumes.
NC – A visão do corpo como “templo sagrado do espírito” é central em muitas tradições religiosas. Você já trabalhou com clientes que buscaram a tatuagem como uma forma de honrar, decorar ou até mesmo sinalizar esse templo?
VA – Sim, sou adepto disso também. A maior tatuagem que tenho é religiosa, apesar de ainda ser vista com estranheza pela Igreja Católica. Já tatuei clientes de diversas crenças com símbolos de suas religiões, mas, em nenhum caso, dentro do estilo da xilogravura nordestina.
NC – Como a tatuagem ajuda a conciliar a arte com a ideia de corpo como ente sagrado? Ou a tatuagem adultera o corpo?
VA – A tatuagem, mesmo que hoje em dia nem sempre seja vista como arte, ela tem funções diversas, adotadas por públicos diferentes. Como tatuador, trago a arte; como católico, o corpo-templo; como indivíduo, tenho a necessidade de me expressar. Então, para mim, é natural ver que a tatuagem carrega essa finalidade de expressar a fé, o sagrado e a arte.
NC – Apesar da ampla popularização da tatuagem, ainda existem resquícios de estigma em certos ambientes profissionais ou sociais. O seu estilo intensifica o estigma ou ajuda a quebrar essa visão?
VA – Há pouco tempo, tive o prazer de tatuar a minha mãe, no auge dos seus 60 anos de idade. Amante de mandacarus, tatuamos uma xilogravura representando o cacto. Ela é professora infantil, mas, hoje, é coordenadora de uma escola da rede municipal. As crianças, depois de verem sua tatuagem no antebraço, começaram a desenhar seus braços de caneta, dezenas delas. Seus colegas de trabalho nunca tinham visto a xilogravura numa tatuagem, isso quebrou correntes de várias gerações. Enquanto houver pessoas com coragem, os que tentam diminuí-las jamais conseguirão.
NC – A xilogravura, muitas vezes ligada à literatura de cordel, conta histórias. O que o corpo, como suporte final, acrescenta à narrativa que a matriz de madeira não poderia fazê-lo? Ou são objetivos diferentes a partir da mesma estética?
VA – Para mim, o objetivo é o mesmo, todos somos contadores de histórias. A tatuagem de xilogravura permite que contemos do nosso jeito, com nossos elementos, nossas histórias com nosso falar, nossos gestos, nosso clima, nossos bichos e nossas plantas, sem americanização.
NC – Além da xilogravura, você utiliza algum outro estilo estético, ou a escolha do desenho é livre, a critério do seu cliente.
VA – A xilogravura é a minha identidade, minha alma crua, sempre será, pois me leva ao passado e às pessoas queridas. Mas, sim, faço de tudo um pouco. Hoje, eu tenho outros estilos, que fazem parte da minha identificação e do meu tempo de estudo. Opostos, admito, são eles o blackwork, o fine line e outros mais, exceto o realismo. Para mim, a tatuagem tem que ter cara de tatuagem, não de uma foto.
NC – Em suas redes, você descreve o processo de criação do desenho com o seu cliente, descrevendo-o de forma individualizada. Por que essa relação é importante?
VA – Sou uma pessoa que não procura mais no Google onde tem algo, vou à rua perguntar. O contato humano real tem se perdido diante de tanta automação, e eu sou um conservador de “bom dia, boa tarde e boa noite”. Ao sair à rua, converso sobre clima em qualquer ambiente e aceno, com um “opa”, para qualquer alma viva no mundo. Eu não consigo ver clientes apenas. Lá está o Armando, a Amanda, o seu Osvaldo… pessoas que, mais rápido que elas imaginam, se tornam queridas e amigas. Isso vem de mim, essas pessoas confiam em mim, passamos horas juntos, partilhando, construindo e, no fim, consolidando algo que nos une para sempre.
NC – Qual o valor médio de uma tatuagem?
O valor varia muito. Há um valor mínimo de 150 reais para tatuagens pequenas, como frases, imagens minimalistas, mas não há uma média. Já, para as xilos, elas variam, em média, de 450 a 600 reais. Mas tem casos de 150 reais e fechamentos de braço que podem ir de 4 mil a 5 mil reais.





























